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Planejar para suceder

Um ensaio sobre o planejamento sucessório em tempos de pandemia

Por Maria Alice Vega Deucher e Alexander Beltrão
Atualização:

Alexander Beltrão e Maria Alice Deucher. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Conforme recente levantamento realizado pelo Colégio Notarial do Brasil - Seção Minas Gerais (CNB/MG) junto à Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), durante o período de pandemia provocada pelo vírus covid-19, apenas no Estado de Minas Gerais as entidades cartorárias realizaram 4.657 atos de "transferência" patrimonial - dentre testamentos, escritura de doação e outros[1].

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A pesquisa identificou que as transferências ocorreram principalmente por integrantes do grupo de risco, como idosos e profissionais da saúde, tendo como objetivo efetuar alguma forma de planejamento patrimonial e sucessório.

Embora a única certeza de quem vive seja a morte, muitas vezes este assunto é relegado ao segundo plano. Contudo, com a atual pandemia, mais do que nunca o tema "morte" passou a povoar a mente das pessoas, evidenciando a importância de se pensar a sucessão causa mortis.

Por planejamento patrimonial ou sucessório compreende-se uma série de medidas destinadas a delimitar a transmissão de bens e direitos de determinado indivíduo previamente ao seu falecimento.

Referido planejamento deve observar a proteção da legítima, que é a proteção outorgada pelo ordenamento jurídico brasileiro à metade do patrimônio de cada indivíduo, que deve pertencer, na sucessão causa mortis, aos seus herdeiros necessários (aqui compreendidos os ascendentes, os descendentes, o cônjuge ou companheiro(a)).

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Desta forma, a legítima compreende uma limitação na elaboração do planejamento sucessório, tendo como baliza garantir um patrimônio mínimo aos parentes mais próximos do de cujus, estando fundada na presunção de solidariedade familiar. Porém, ainda que haja esta limitação legal, é fato que ainda resta uma ampla margem de liberdade por parte do indivíduo, que, por meio dos institutos do planejamento sucessório, pode garantir a efetivação das suas disposições de vontade.

Não obstante, para além do tabu existente em torno do tema "morte", outro tabu que circunda o tema do planejamento sucessório é a compreensão errônea de que o instituto apenas seria adequado para grandes patrimônios e fortunas. Fato é que, havendo qualquer tipo de bem ou direito, e havendo vontade do proprietário em regular a sucessão deste patrimônio de forma diversa ao estipulado na lei, o patrimônio sucessório não é apenas adequado, como também, recomendado.

E aqui cumpre ressaltar os benefícios do planejamento patrimonial, que, para além de garantir e proteger a vontade do autor da herança, pode propiciar uma série de outras vantagens para todos os envolvidos no processo de sucessão familiar.

Uma das maiores vantagens deste planejamento, senão a maior, é a possibilidade de evitar que a sucessão causa mortis seja realizada de forma judicial, num processo que pode durar anos, levando ainda à beligerância dos envolvidos e à própria dilapidação do patrimônio.

Conforme o relatório "Justiça em Números" elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um processo que tramita na justiça estadual brasileira dura em média 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses até o proferimento de uma decisão terminativa em primeiro grau[2].

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Agora, pense-se no desafio de se viabilizar a gestão efetiva do patrimônio familiar neste contexto, e principalmente no que tange à administração das empresas familiares que, para além das incertezas do mercado, passam a estar envoltas em um procedimento judicial.

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Não é por outro motivo que, conforme pesquisa elaborada pela consultoria PwC, 75% das empresas familiares fecham após serem sucedidas pelos herdeiros[3].

Considerando-se que as empresas familiares constituem 90% das empresas nacionais, e que apenas 19% destas empresas familiares possuem algum tipo de plano de sucessão, de acordo com o mesmo relatório, talvez o planejamento sucessório deva passar a ser mais divulgado e utilizado por aqueles que hoje se encontram à frente destas empresas, como poderosa ferramenta capaz de evitar os problemas decorrentes da sucessão pura e simples e dos processos judiciais e, consequentemente, evitando a dilapidação do patrimônio e o eventual surgimento de conflitos, muitas das vezes com o encerramento da empresa da família.

*Maria Alice Vega Deucher e Alexander Beltrão, sócios do escritório Moreau Valverde Advogados

[1] "Clipping - Estado de Minas - Cartórios de MG já registraram mais de 4 mil atos de transferência de bens durante pandemia". Disponível em: https://cnbmg.org.br/clipping-estado-de-minas-cartorios-de-mg-ja-registraram-mais-de-4-mil-atos-de-transferencia-de-bens-durante-pandemia/>. Acesso em: 27 de maio de 2020.

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[2] "Justiça em Números" - Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Disponível: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/>. Acesso em: 28 de maio de 2020.

[3] "A conexão que faltava - A importância do planejamento estratégico para o sucesso da empresa familiar">. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/setores-de-atividade/empresas-familiares/2017/tl_pgef_17.pdf>. Acesso em: 28 de maio de 2020.

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