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Planejamento patrimonial e sucessório através de holding familiar

Por Pablo Bruzzone
Atualização:

Pablo Bruzzone. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Através do julgamento do Recurso Extraordinário 796.376, cujo acórdão foi publicado em 25 de agosto de 2020[1], o Supremo Tribunal Federal fixou a tese tema 796, que trata sobre a imunidade tributária do ITBI prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal. Verbis:

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"796 - A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado"

Para dar a correta interpretação à tese firmada pela Suprema Corte é extremamente relevante entender a conjuntura do caso concreto, qual seja, uma empresa que subscreveu R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais) de capital social e pretendia realizar a integralização através de 17 (dezessete) imóveis no valor total de R$ 802.724,00 (oitocentos e dois mil setecentos e vinte e quatro centavos), conforme transcrição do trecho do relatório a seguir:

Relatório: "Informou que (a) foi constituída em maio de 2010, com objeto social determinado para participação societária e acionária em outras empresas, e representação comercial por conta própria ou de terceiros; (b) o capital social da empresa é R$ 24.000,00, e foi integralizado mediante bens imóveis (17 imóveis) cujo valor total (R$ 802.724,00) é superior ao do capital social; e (c) a autoridade coatora se nega a emitir guia de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) com imunidade integral na transferência dos bens, conforme previsão do art. 156 da Constituição Federal de 1988 e art. 36 do Código Tributário Nacional, sob o argumento de que a imunidade atinge somente o montante do capital social da empresa a ser integralizado.

Ao final, pleiteou a declaração de imunidade tributária em relação ao ITBI sobre o valor total do imóveis transferidos."

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Verifica-se, pois, que a quaestio iuris sub judice é extremamente diferente da estruturação ordinária da holding familiar para fins lícitos de organização patrimonial e planejamento sucessório da família, em que a transferência do imóvel da pessoa física dos sócios para a pessoa jurídica, a título de integralização do capital, é equivalente ao valor do capital social subscrito, considerando o valor constante da declaração de bens ou pelo valor de mercado, escolha autorizada pelo o Art. 142, do Anexo ao Decreto 9.580/2018, que regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza[2].

No caso concreto a discrepância entre o valor do capital social subscrito e o valor dos bens imóveis (se considerarmos a média do valor dos imóveis, apenas um seria suficiente para "quitar" o dobro do valor subscrito) e a destinação diferenciada de tal patrimônio (em razão de sua finalidade de constituição de reserva de capital e não a título de integralização do capital subscrito), levou à conclusão da tese vencedora no referido julgamento de que a imunidade tributária do ITBI (CF, art. 156, §2º, I) não imunizaria "o valor dos imóveis excedentes às quotas subscritas" e poderia ensejar em prejuízo ao fisco, conforme se infere do trecho do voto abaixo transcrito: 

Voto: "Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas.

Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores.

O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal.

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Ainda que o preceito constitucional em apreço tenha por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas, não chega ao ponto de imunizar imóvel cuja destinação escapa da finalidade da norma.

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No caso concreto, a diferença entre o valor do capital social e os imóveis incorporados é de R$ 778.724,00. É de indagar-se a razão pela qual uma empresa, cujo capital social é de R$ 24.000,00, pretende constituir uma reserva de capital em montante tão superior ao seu capital, e, sobretudo, livre do pagamento de imposto.

Assim, não cabe conferir interpretação extensiva à imunidade do ITBI, de modo a alcançar o excesso entre o valor do imóvel incorporado e o limite do capital social a ser integralizado."

Entendido o contexto em que foi fixada a tese de repercussão geral 796 do Supremo Tribunal Federal é possível se afirmar, categoricamente, que àquela Suprema Corte se limitou a reconhecer que a imunidade tributária do ITBI prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal deve guardar relação direta com o valor do capital social subscrito. Em outras palavras, restou definido que a mera subscrição de capital social não pode ser interpretada como um cheque em branco para autorizar, livre e ilimitadamente (inclusive em valores muito superiores ao capital social subscrito), a transferência de bens imóveis dos sócios para a pessoa jurídica sem a incidência do ITBI.

Apenas essa, e tão somente essa, foi a tese fixada no tema 796 do STF. Não foram levantados, muito menos discutidos ou alterados, os parâmetros ordinários utilizados para fins de constituição da empresa holding, notadamente a regularidade na utilização do valor constante da declaração de bens ou o valor de mercado como faculta a Lei[3], tampouco afastou os benefícios tributários que tal estruturação societária possibilita.

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Em decorrência, chegamos à conclusão de que a tese de repercussão geral 796 do Supremo Tribunal Federal não traz qualquer implicação sobre o instituto da holding familiar utilizado como ferramenta de organização patrimonial e planejamento sucessório da família, muito pelo contrário, fortalece o referido instituto ao estabelecer limites e afastar potencial abuso de direito.

*Pablo Bruzzone, sócio e advogado do MLA - Miranda Lima Advogados

[1] http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344140426&ext=.pdf

[2] As pessoas físicas poderão transferir a pessoa jurídica, a título de integralização de capital, bens e direitos, pelo valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens na DIRPF.

[3]Decreto 9.580/2018, Art. 142. As pessoas físicas poderão transferir a pessoa jurídica, a título de integralização de capital, bens e direitos, pelo valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens na DIRPF.

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