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PL da impunidade da corrupção: urgência de votação aprovada ontem em 8 minutos

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Por Roberto Livianu
Atualização:
Roberto Livianu. Foto: Reprodução

O índice de capacidade de combate à corrupção da Americas Society acaba de ser divulgado e revela que dos 15 países da América do Sul avaliados, o Brasil foi aquele que piorou mais nas avaliações, sendo ultrapassado também pelo Peru e Argentina. Agora estamos na sexta posição, atrás de Uruguai, Chile, Costa Rica e dos dois já mencionados.

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Observe-se que o Peru acaba de concluir sua eleição presidencial, tendo levado ao segundo turno Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori - ditador corrupto preso no Peru por corrupção e diversos outros crimes cometidos em parceria com Vladimiro Montesinos. Keiko teve inclusive a prisão preventiva requerida nesta última semana.

Apesar da fragmentação política e da fragilidade das instituições, o Peru nos ultrapassou, o que dá o tom da gravidade de nossa erosão democrática e institucional e da queda brasileira de posições, tendo em vista a relevância de nosso país no cenário internacional.

No entanto, sem ser precedida de qualquer debate na comissão especial da Câmara, ontem o plenário aprovou por 369 votos a 30 votação emergencial do relatório substitutivo do Deputado Zarattini, que desfigurou totalmente o projeto original de Roberto de Lucena, que propôs atualizações à Lei 8429/92 - PL 10887/18.

Estamos falando da mais importante lei anticorrupção em vigor no Brasil que se quer enfraquecer. O relatório substitutivo foi protocolizado às 17h10. O pedido de urgência de votação começou a ser votado às 17h11 e se concluiu às 17h19. E não estamos falando em urgência para acelerar iniciativas visando salvar vidas ou minimizar desigualdades sociais. Ou aumentar penas para a corrupção. O conteúdo é de abrandamento ou eliminação de penas.

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O conteúdo poderá muito convenientemente beneficiar o próprio presidente da Câmara Arthur Lira, réu em duas ações de improbidade, o líder do Governo Ricardo Barros, cuja esposa é contratada pela administração pública e muitos outros, investigados e processados por improbidade, integrantes da própria comissão que debateu o PL na Câmara.

O relatório final elimina a imprescritibilidade do ressarcimento ao dano ao patrimônio público - possibilidade de se pedir a qualquer tempo a devolução de valores devidos. Ao julgar em 2019 o recurso extraordinário RE 852.475 (tema 897), o STF, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, decidiu serem imprescritíveis as ações que visam ressarcir dano ao erário fundadas em improbidades dolosas, interpretando o artigo 37 parágrafo 5.o da Constituição Federal. O relatório final de ontem finge ignorar a decisão e elimina a imprescritibilidade. Isto representa afronta à Constituição e ao STF e, se mantido, será obviamente derrubado no STF.

O substitutivo isenta de responsabilidade por improbidade administrativa se o agente tiver sido absolvido criminalmente por qualquer fundamento. Isto é afrontoso a diversos princípios basilares do Direito, já que que a absolvição pode ser eventualmente por insuficiência de provas e as provas podem surgir em seguida. Seria salvo-conduto ilícito.

Por outro lado, óbvio que nepotismo é contratar parentes para a Administração Pública. E ponto. A vedação está sedimentada no STF e na doutrina. Há inclusive resoluções no CNMP e CNJ neste sentido, não sendo cabível admitir contratação de parentes, desde que sejam qualificados. Isto fere os princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade administrativa, essência republicana.

Como se não bastasse, a prescrição retroativa é um dos maiores monumentos à impunidade da área penal - só existe no Brasil. É verdadeira aberração criar prescrição retroativa em matéria de improbidade administrativa.

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Percebe-se também o objetivo de inviabilizar o trabalho das instituições. Institui-se prazo de investigações para o MP. É aberração estabelecer prazo tabelado de 6 meses para um inquérito civil. E se as perícias forem complicadas? E se houver documentos e oitivas internacionais a obter? Poderia se considerar a hipótese de exigir que membro do MP fundamente a necessidade da prorrogação das investigações de forma escrita.

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Na mesma direção, o estabelecimento de honorários de sucumbência para o MP, verdadeiro instrumento intimidatório inadmissível. Se algum membro do MP age com abuso de poder pode ser enquadrado na lei de abuso de autoridade. O dispositivo visa nitidamente inviabilizar o exercício das funções.

Observe-se que o tal relatório, além de não debatido, não foi objeto de qualquer exame de constitucionalidade prévia e se afigura verdadeira ode à impunidade. Precisamos de responsabilidade e respeito ao interesse público. A única decisão sensata é adiar a votação para melhor análise de tantas polêmicas proposições. É o que a sociedade espera.

*Roberto Livianu, procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito Penal pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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