Em 2013, como resposta aos movimentos de rua de junho, a Lei 12846 foi aprovada. Incluiu-se, aos 45 minutos do segundo tempo, sem ampla discussão como era necessário, a figura do acordo de leniência a ser celebrado entre órgão de controle interno e empresa suspeita de corrupção, sem a participação do MP, instituição indispensável no controle da corrupção.
Estes novos acordos poderiam permitir acesso a financiamentos do BNDES, atestado de idoneidade garantidor de participação em licitações e redução de multas, com as bênçãos do governo para a empresa (que inclusive poderia ter sido doadora de campanha para este mesmo governo).
A ausência do MP nos acordos de leniência pode gerar impunidade porque se pode indevidamente reduzir de penas e garantir vantagens a um doador de campanhas - há óbvio conflito de interesses entre governo suspeito e empresa suspeita, não tendo o menor sentido à luz dos princípios da economicidade e eficiência ter-se que buscar a anulação judicial de um mau acordo ao invés de se permitir a preventiva fiscalização do MP.
Visando sanar a falha grave de arquitetura jurídica, o senador Ricardo Ferraço em fevereiro deste ano apresentou o PLS 105 com uma única proposição: exigir a homologação dos acordos de leniência pelo MP para terem validade.
No entanto, o que estava ruim, piorou. O Senado desfigurou a proposta original e criou cenário grave, que desrespeita os tratados internacionais anticorrupção dos quais o Brasil é signatário, criando impunidade ainda maior.
Sob o pretexto de supostamente legitimar o MP, o Senado ampliou o rol daqueles legitimados a celebrar os acordos de leniência, incluindo AGU e o próprio MP. No entanto, mantém a possibilidade de CGU e AGU celebrarem os acordos sem a fiscalização do MP.
É sempre bom lembrar que a CGU e a AGU são órgãos de governo e não de Estado e que seus chefes são de confiança do Presidente da República e demissíveis a qualquer tempo, não obstante haja servidores gabaritados nos quadros destes órgãos. O mesmo se pode dizer dos controladores e corregedores estaduais e municipais.
O Senado ainda enfraquece o Tribunal de Contas da União, aniquilando os processos de controle externo de sua exclusiva atuação, permitindo que o controle interno, por definição submisso ao chefe do Poder Executivo, possa afastar o independente e autônomo controle externo, uma verdadeira aberração jurídica.
A Câmara recebeu há menos de um mês o projeto aprovado pelo Senado e constituiu Comissão Especial para examinar o assunto, a qual é presidida pelo deputado federal Vicente Cândido, do partido governista e tem como relator o deputado André Moura, aliado fiel do presidente da Câmara.
Sem o mínimo aprofundamento de discussão, com pressa indescritível, a Comissão prepara para hoje (17/12) a votação do relatório, com grave risco de os retrocessos oriundos do projeto aprovado no Senado serem mantidos, o que seria extremamente nocivo para a sociedade.
Estas situações de extremada concentração de poderes no Poder Executivo e de enfraquecimento dos órgãos independentes devem ser sempre rechaçadas em nome da prevalência do bem comum, dos princípios republicanos, da democracia e do princípio da isonomia. A Câmara não pode aprovar tal proposta sob pena de criar uma rota para a impunidade.
*Roberto Livianu, promotor de Justiça em São Paulo, é Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, doutor em Direito pela USP e atua perante a Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos na área da proteção ao patrimônio público.
Júlio Marcelo de Oliveira, procurador de contas atuando perante o Tribunal de Contas da União, é vice-Presidente da AMPCON - Associação Nacional do Ministério Público de Contas