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PF mira fraudes em contratação emergencial no hospital de campanha de Aracaju

Agentes da Polícia Federal e Controladoria Geral da União veem indícios de sobrepreço e favorecimento de empresa responsável pela parte estrutural da unidade temporária para tratamento de pacientes da covid-19

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Por Rayssa Motta
Atualização:

A estrutura foi montada no Estádio João Hora de Oliveira. Foto: Divulgação / Prefeitura de Aracaju

A Polícia Federal deflagrou nesta terça, 7, a Operação Serôdio para apurar suspeitas de irregularidades na contratação, pela Secretaria de Saúde de Aracaju, no Sergipe, da empresa encarregada pela estrutura do hospital de campanha da capital. A negociação envolveu pagamento de R$ 3, 2 milhões.

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Os agentes cumpriram nove mandados de busca e apreensão na Secretaria Municipal de Saúde, na sede da firma contratada e nas casas de servidores públicos envolvidos no processo.

As investigações preliminares, conduzidas pela PF e Controladoria Geral da União (CGU), apontam indícios de sobrepreço e direcionamento da contratação, sem licitação, em favor da empresa escolhida. Isso porque toda a parte estrutural foi agrupada em um único contrato - o que, segundo os investigadores, aumentou os custos para os cofres públicos.

"No procedimento licitatório foi desconsiderada a divisibilidade do objeto licitado, que envolvia a locação de cobertura e estrutura completa, a climatização das coberturas e a locação de contêineres. Os serviços foram agrupados, impedindo que licitantes oferecessem propostas separadamente para cada item. Essa decisão restringiu excessivamente a concorrência e elevou o custo da contratação", diz a PF.

A estimativa é que o custo da locação de aparelhos de ar condicionado por seis meses, por exemplo, chegue a quase três vezes o valor de compra. A qualidade do serviço prestado, em razão da 'precariedade da climatização ' e de 'execução inadequada' do contrato, também é questionada.

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Hospital de Campanha Cleovansóstenes Pereira Aguiar. Foto: Divulgação / Prefeitura de Aracaju

Segundo a PF, a secretaria só apresentou cópia dos documentos do procedimento de contratação no terceiro pedido e após recomendação do Ministério Público Federal. Na documentação havia cópias de e-mails, orçamentos, propostas, termos de referência, justificativas e outros.

Durante a análise dos documentos, os investigadores identificaram que a proposta vencedora continha os mesmos erros gramaticais presentes em dois outros orçamentos apresentados. A PF informou que 'é improvável que a mesma falha de redação tenha sido cometida por três redatores diferentes de três empresas diversas' e que isso pode mostrar combinação para simular concorrência.

O Hospital de Campanha Cleovansóstenes Pereira Aguiar, montado no Estádio João Hora de Oliveira, começou a funcionar no final de maio, atendendo casos de baixa e média complexidade do novo coronavírus. A montagem foi paga com recursos da União - Aracaju já recebeu, através do Fundo Municipal de Saúde, cerca de R$ 24 milhões para custar ações de combate à covid-19.

O estado acumula mais de 30 mil casos confirmados do novo coronavírus, além de 826 vítimas. Na capital, são mais de 17 mil casos e 356 mortos pela doença.

COM A PALAVRA, A SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE ARACAJU

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"A Prefeitura de Aracaju assegura transparência nos processos de construção do Hospital de Campanha Cleovansóstenes Pereira Aguiar, principal unidade de tratamento da covid-19 na rede municipal de Aracaju e responsável pela recuperação de 154 dos 238 aracajuanos que necessitaram de internamento por conta da doença, de acordo com o boletim desta terça-feira, 07.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Desde o mês de abril, a gestão municipal estabeleceu um caminho de troca de informações com a Polícia Federal, que solicitou dados sobre o processo de implantação do HCamp na capital sergipana. No dia 24 de abril, foi enviado e-mail com o Ofício nº 31/2020, entretanto como o envio foi feito no final do dia e tratava-se de uma sexta-feira, a assessoria jurídica tomou conhecimento da solicitação no dia 27 de abril. O e-mail solicitava todos os documentos relacionados à construção do Hospital de Campanha, sem prazo fixado para resposta. Já em 30 de abril, a Secretaria recebeu o Ofício nº 0036/2020, reiterando o Ofício nº 31/2020, também sem prazo fixado para resposta.

Nesse mesmo dia, 30/04, a Polícia Federal encaminhou o Ofício de nº 0038/2020, solicitando documentos das seguintes dispensas: 25/2020 - Contratação de 20 leitos do Hospital São José; 04/2020 - Contratação da empresa Ramac Empreendimentos; 33/2020 - Contratação da empresa Três Leões Material Hospitalar e Cirúrgica; 12/2020 - Contratação da empresa Philipes Medical Systems Ltda; 15/2020 - Contratação da empresa AF Empreendimentos Eireli; 04/2020 - Contratação da empresa Biotech Indústria e Comércio de Descartáveis Ltda; e 03/2020 - Contratação da empresa Equilibrium Distribuidora de Medicamentos, concedendo o prazo de cinco dias úteis. Expediente que foi respondido em 7 de maio, por meio do Ofício nº 1.495/2020, quatro dias úteis após o recebimento da demanda.

Já em 04 de maio, início do mês que o Hospital de Campanha começou a operar, a SMS respondeu o Ofício nº 31/2020, no primeiro dia útil do mês, por meio do Ofício nº 1.435/2020. Em 25 de junho, a equipe municipal de Saúde recebeu  Ofício n º 0075/2020, solicitando cópia da Dispensa nº 065/2020, contrato, processos de pagamento. O documento foi devidamente respondido em 1º de julho, através do Ofício nº 2.167/2020.

Transparência

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Paralelo ao envio de informações para a Polícia Federal, a gestão desenvolveu o site "Transparência Covid-19: informações sobre o combate ao coronavírus", com o objetivo de reforçar as ações de transparência e integrar o Portal da Trânsparência do Município, a partir do qual a população tem fácil acesso a todos os dados referentes às ações de enfrentamento ao coronavírus adotadas pela administração municipal.

Outro fator que atesta o zelo da administração é o arquivamento da investigação do Ministério Público Estadual sobre indícios de combinação entre as empresas para apresentarem seus orçamentos. O Ministério Público Estadual arquivou o procedimento ao não constatar qualquer indício de que houve a obtenção de informações privilegiadas ou situações de favorecimento.

A secretária municipal da Saúde, Waneska Barboza, afirmou que recebeu com surpresa a operação da Polícia Federal e defende o papel de fiscalização da Instituição. Ela afirma que as ações da SMS são transparentes e objetivam garantir assistência médica adequada à população.

"Todos os processos de contratação têm obedecido a legislação. Sobre esse projeto em particular, foram feitos procedimentos que não estão previstos na dispensa de licitação justamente para deixar mais clara e mais transparentes as ações realizadas. Todos os questionamentos e solicitações de documentações têm sido atendidos pela Secretaria. Em nenhum momento nos furtamos de encaminhar qualquer informação. Por conta disso, estamos surpresos com a operação. Estamos aqui para colaborar e tenho certeza que, no final de tudo, ficará atestado que não houve nenhum desvio de finalidade. Nossa equipe é uma equipe guerreira e trabalha diariamente para materializar as ações de enfrentamento à covid em prol da nossa população".

Sobre os questionamentos noticiados nesta terça-feira, 07, pela operação realizada pela Polícia Federal e reafirmados pela Procuradora da República Eunice Dantas, a Secretaria esclarece que não há divergência no tocante ao piso que foi descrito no termo de referência. O piso instalado atende todas as especificações solicitadas no edital. Inclusive o TCE acompanhou esse caso na época da montagem da unidade e constatou que foram aplicadas três camadas de pisos: o easyfloor, o tablado de madeira e a manta de linóleo.

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Sobre a inexistência de instalações elétricas, hidráulicas, sanitárias, de dados e voz, os serviços foram implementados em contratos diferentes ao da montagem do HCamp. Porém, o município garante que todas as instalações foram realizadas dentro dos padrões de segurança e das legislações da administração pública vigentes. Para o projeto hidrossanitário, por exemplo, foi feito um termo de referência para contratação de empresa para execução e o projeto foi, inclusive, elaborado pelos técnicos da Deso, em parceria com a prefeitura de Aracaju.

A respeito do custo de locação de aparelho de ar condicionado, cada máquina de refrigeração instalada no HCamp custa aproximadamente R$ 70 mil. Como são 20 máquinas instaladas, o custo para a aquisição seria de R$ 1,4 milhão. Todas as 20 máquinas locadas hoje representam um custo mensal de R$ 175 mil por mês, o que, ao final do contrato de seis meses, representaria uma economia de mais de R$ 300 mil. Além disso, o contrato vigente já inclui todos os serviços de manutenção e substituição, caso seja necessário.

Sobre o pagamento do serviço vigente, o primeiro faturamento não foi pago pela secretaria, justamente porque a área técnica identificou que o serviço prestado pela empresa estava em desacordo com o descrito no projeto. Ou seja, a empresa executou o serviço de forma parcial, o que gerou uma glosa total do valor que seria pago.

Já a questão do pé-direito mínimo inferior ao previsto em projeto básico, o Laudo Pericial também indicou a existência de sobrepreço na locação da estrutura de climatização e na locação de containers. O pé-direito da unidade Hospitalar tem diversas alturas. As divisórias dos leitos em TS medem 2,20m e serve apenas para separar os pacientes, porém a estrutura metálica tem altura mínima de 4m e a cumeeira tem 5,80m, o que atende a exigência do termo de referência.

Quanto as demais acusações de supostas irregularidades, a SMS garante que continuará atuando em prol da transparência e da regularização dos serviços que, porventura, sejam prestados em desacordo com o que foi preestabelecido nos termos de referência. Prova disso é o processo administrativo já aberto pela Prefeitura contra a empresa diante da prestação parcial do contrato, que já foi encaminhado para a comissão permanente de apuração de infração antes mesmo da deflagração da operação da Polícia Federal.

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Além disso, existe um processo interno de auditoria na Controladoria Geral do Município que está avaliando não só a formalidade do processo, mas também o pagamento desses serviços. Por fim, a gestão esclarece que continuará apresentando todos os documentos que forem requisitados pelos órgãos de controle, fiscalização e investigação (como Tribunal de Contas, Ministérios Públicos e Polícia Federal), mantendo o seu compromisso com a transparência e a lisura dos atos praticados."

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