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Perícia independente é o único caminho para a Justiça

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Por Eduardo Becker
Atualização:
Eduardo Becker. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Semana passada os peritos criminais da Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo (SPTC) foram acionados para auxiliar o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) nas investigações sobre a operação realizada em maio na comunidade do Jacarezinho que resultou na morte de 28 pessoas, entre elas um policial. A ação causou grande repercussão não só no Brasil, mas também na comunidade internacional.

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Essa não é a primeira vez que a SPTC é acionada para auxiliar em investigações fora do Estado de São Paulo. E o motivo é simples: a perícia criminal em investigações de ações e crimes que envolvam a participação de policiais precisa ser técnica, transparente e isenta. E isso não é possível quando a perícia é vinculada à polícia.

No caso do Rio de Janeiro, a Polícia Técnico-Científica é ligada à Secretaria de Estado de Polícia Civil, responsável pela operação na comunidade. Essa vinculação retira o fator isenção, o que pode gerar questionamentos sobre exames, perícias e laudos que seriam elaborados pelo órgão.

Não é à toa que a desvinculação dos órgãos periciais foi colocada em pauta por conselheiros do Conselho Nacional de Direitos Humanos. O Plano Nacional de Direitos Humanos já recomendou a autonomia dos órgãos de perícia no país, e foi, inclusive, o segundo item mais votado, ficando atrás apenas da desmilitarização da polícia. A desvinculação também é recomendada por entidades internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Anistia Internacional. O objetivo é garantir maior imparcialidade e transparência das investigações e evitar interferências nos laudos elaborados.

É importante frisar que o debate não se refere à capacidade dos profissionais de realizarem o trabalho. O ponto é que a Polícia Técnico-Científica paulista tem algo que em muitos outros locais não existe: independência e autonomia administrativa e funcional.

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Essa autonomia se torna ainda mais relevante quando ocorrem casos como o do Jacarezinho, que envolvem outros policiais. Com uma perícia sem associação àqueles que estão sendo investigados, é possível a realização de um trabalho sem intervenções, fornecendo resultados imparciais. E isso é imprescindível para que a Justiça seja fortalecida. Afinal, a perícia é a responsável por fornecer provas e elementos técnicos que materializem uma conduta criminosa e a sua autoria. Testemunhas podem mentir ou não se lembrar dos fatos com exatidão, mas a análise técnica das evidências é objetiva. E, por isso, tem que ser isenta.

Em nota, o próprio MPRJ afirmou que, ao acionar os peritos criminais de São Paulo, o objetivo seria garantir a investigação de prova técnica autônoma e independente. O assunto é tão relevante que tramitam no Congresso duas PECs que tratam da desvinculação dos órgãos de perícia das polícias, a PEC 325/2009 na Câmara dos Deputados, e 76/2019 no Senado. Ambas as propostas incluem as polícias científicas entre os órgãos de segurança pública na Constituição Federal, subordinadas aos governadores dos estados e dirigidas por perito oficial de natureza criminal.

Vale ressaltar que as propostas não trazem custo extra aos governos, garantem a independência de atuação e a isenção no trabalho dos peritos criminais, algo imprescindível para o processo de persecução criminal, atendendo tanto à polícia quanto ao Poder Judiciário. É o melhor caminho para permitir que a Justiça seja feita com base em laudos que analisam crimes pelo viés da ciência, sem qualquer interferência política. A medida, sem sombra de dúvida, beneficiará toda a sociedade brasileira.

*Eduardo Becker, perito criminal especialista em crimes cibernéticos e identificação humana por DNA e presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (SINPCRESP)

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