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PEC 5/21: não!

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Por Roberto Livianu , Paulo Jerônimo de Sousa , Ivanir dos Santos e Marta Gueller
Atualização:
Congresso Nacional. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO  

A Carta de 1988 recebeu o nome de Constituição-Cidadã, histórico e fundamental instrumento garantidor de direitos civis, sociais e políticos. E um de seus traços mais marcantes foi a modelagem do Ministério Público, que levou o jurista Dalmo Dallari a apelidá-lo de advogado do povo.

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O combate à corrupção leva o MP a colecionar adversários, desgostosos com o dedo que lhes é apontado, por desvios e desmandos no exercício do poder pelos quais são punidos. Prisões, suspensões de direitos políticos, perda dos cargos e altas condenações financeiras - não estavam acostumados nos tempos da impunidade total.

Além disso, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático impõem ao MP ter de propor ações diretas de inconstitucionalidade de leis que, muitas vezes são aprovadas pelo Legislativo de forma desrespeitosa à própria Constituição.

No Brasil profundo, ainda existem pessoas escravizadas e o MPT tem atuado para combater esta chaga, assim como o subregistro civil, que foi zerado em Santa Quitéria no Maranhão, evasão escolar, implantação dos aterros sanitários e outras iniciativas visando a proteção do meio ambiente, do acesso à informação, dos idosos, dos indígenas, das pessoas com deficiência, contra a exploração ilegal de minérios, contra a violência de gênero, preconceito racial e intolerância religiosa, entre tantas questões.

Quando não se investe o percentual imposto por lei na educação, o MP age para garantir os direitos das futuras gerações e para minimizar as desigualdades sociais, principal drama social que nos devasta. Os processos não são simples e são travadas batalhas duríssimas contra escritórios de advocacia poderosíssimos. Mas o MP nunca baixa a cabeça.

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Este cenário complexo é o cotidiano dos promotores e procuradores no Brasil, seres humanos que trabalham honestamente para representar a sociedade e reverter o pessimismo que leva 93% dos brasileiros ouvidos pelo Latinobarómetro a afirmar que na sua percepção os detentores do poder aqui utilizam dele visando o autobenefício.

Não podemos ter intocáveis numa república, mesmo bem-intencionados, e, por isto, o CNMP, criado em 2004, pune seus membros, quando necessário. São 309 sanções, incluindo 21 demissões, 12 cassações de aposentadoria e 77 advertências, sendo importante destacar que o número de processos administrativos julgados é 101,9 % maior que os do CNJ. Fundamental frisar que estes números são apenas das punições do CNMP. Além delas existem milhares de outras aplicadas pelas Corregedorias do MP de todo o Brasil.

Dito isto, perguntamos: qual o motivo da PEC 5/21? por que aumentar o número de Conselheiros indicados pelo Congresso de 2 para 5? Por que o Congresso quer impor o Corregedor Nacional? Por que alguém de fora do MP? Como encarar a ideia de permitir a ingerência do CNMP em atos investigativos do MP? Por que dar o poder de escolha aos Procuradores-Gerais em 2/3 dos Conselhos Superiores que deveriam o controlar?

São muitas perguntas que convergem para uma única resposta. A espinha dorsal da proposição tem o nítido propósito de enfraquecimento e vingança contra o MP, castigado por defender a sociedade. Na última quinta-feira, diversos parlamentares tentaram desmoralizar o MP, afirmando que teria havido um acordo, que em verdade nunca existiu. Os Deputados, muitos deles processados pelo MP pelas mais diversas razões, querem criar falsa narrativa e injustamente fazer crer à sociedade que o MP é recalcitrante e birrento, agindo com corporativismo.

Omitem, no entanto, que o MP já tem código de ética no seu dia-dia, apenas faltando o uso uniforme do nome em todo o país. Em São Paulo, por exemplo, há décadas, é de observância obrigatória o chamado manual de atuação funcional, exigido com rigor pela Corregedoria. Escondem que ao quererem indicar 5 Conselheiros do CNMP, o Congresso seria o ente que mais indicações ali faria e sem que isto tivesse sido demandado pela sociedade civil ou que algum estudo de ciência política tivesse sido feito lastreando tal aumento.

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Finge-se não saber que um Corregedor externo representaria ameaça permanente ao trabalho dos promotores e procuradores, colocando em xeque sua independência funcional, que também poderia ser vulnerada a qualquer momento por decisão do CNMP.

Mas consideramos muito importante lembrar que a independência funcional do MP, assegurada pela Constituição, já foi considerada cláusula pétrea em reiteradas decisões do STF. Queremos que o MP continue protegendo a sociedade e para isto, deve ser rejeitada a PEC 5/21, que não observa o princípio da prevalência do interesse público, enfraquece os pilares democráticos e a própria essência republicana.

*Roberto Livianu, procurador de Justiça, doutor em Direito pela USP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

*Paulo Jerônimo de Sousa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa

*Ivanir dos Santos, prof. Dr. Babalawô, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e professor e orientador no PPGHC/ UFRJ

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*Marta Gueller, advogada, escritora, mestre em Direito pela PUC/SP, autora do blog O seguro morreu de velho

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