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PEC 05/21: o fim do Ministério Público independente

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Por Roberto Livianu
Atualização:
Roberto Livianu. FOTO: FELIPE RAU/ESTADÃO  

Dois dias depois de se completarem trinta e três anos da Constituição Cidadã, coincidentemente a mesma idade que Jesus Cristo tinha ao morrer na cruz e ressuscitar, a Câmara coloca em pauta para votação a PEC 05/21, uma das maiores aberrações já vistas em relação à Carta de 88.

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Não é força da expressão, infelizmente dado de realidade. Em 1988, o Constituinte moldou o MP como advogado do povo, nas palavras de Dalmo Dallari, um dos maiores juristas nacionais, profundo conhecedor do Direito do Estado. A opção feita naquele momento tinha lugar em virtude do modelo escolhido. Incumbia-se o MP de ser o defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis.

O artigo 127 da Constituição dotou o MP de independência funcional, essencial para realizar sua missão, que tem sido trilhada com sangue, suor e lágrimas ao longo destes trinta e três anos.

Eis que em 2004, em acertado movimento, a meu ver, pela emenda 45, criou-se o controle externo do MP e da Magistratura - CNMP e CNJ, modelando-se as respectivas composições, jamais havendo dúvida que o controle exercido por tais organismos é administrativo, sendo sagrada a independência de atuação de membros da magistratura e do MP, que inclusive tem proteção por convenções e tratados internacionais.

Nos últimos anos, entretanto, como reação ao trabalho de combate à corrupção e proteção ao patrimônio público, é nítida a percepção de reação por parte do corpo político no sentido de construir leis visando a autoblindagem, o que é percebido pela sociedade. Segundo o último informe oficial do chileno Latinobarómetro, mais importante organismo latino americano dedicado à observação de dados sociais, econômicos e políticos, 93% dos detentores do poder no Brasil, usam-no visando dele se beneficiar.

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Foi assim nas "10 medidas contra a corrupção", na nova lei de abuso de autoridade, nas seguitas reformas eleitorais e partidárias, no recente afrouxamento da lei da ficha limpa, na transformação da lei de improbidade em verdadeira lei da impunidade e agora a ideia da vez é humilhar, subjugar o Ministério Ministério, amputá-lo, retirar dele sua independência funcional.

Basta ler o relatório da PEC 05/21, de autoria do Deputado Paulo Teixeira do PTSP que se poderá ter noção do nível de proposição. A Câmara propõe que dos 15 membros do CNMP sejam escolhidos politicamente 4, com aumento significativo de sua influência e poder de manipulação, fortalecendo-se a nefasta e secular cultura do compadrio.

Além disso, propõe-se que o Corregedor Nacional do MP, com poder punitivo sobre atos praticados por membros do MP seja escolhido politicamente, assim como o vice-presidente do CNMP. Vale lembrar que o presidente do CNMP é o PGR, que já é atualmente escolhido politicamente pelo presidente da República.

Como se não bastasse, propõe-se que atos cotidianos de promotores e procuradores que são constitucionalmente dotados de independência funcional, possam ser desconstituídos pelo CNMP, que passaria a ser um verdadeiro coronelato dos tempos de Saramandaia.

Os Conselhos Superiores dos Ministérios Públicos passariam a ser controlados pelos Procuradores Gerais, que escolheriam 2/3 de seus membros. Ou seja, substitui-se a democracia, a independência a descentralização pelo coronelato explícito. Ao ser indagado sobre o debate do tema, o presidente da Câmara responde que está encerrado sem ter ocorrido. É o estilo "de boiada".

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Trata-se, indiscutivelmente do mais grave gesto de ataque político contra a própria sociedade, já que o MP tem a missão de defendê-la. Sem a necessária discussão, sem respeito à democracia, ao arrepio do princípio elementar da prevalência do interesse público, em frontal desrespeito ao princípio constitucional da independência funcional do MP. Com a palavra, os senhores e as senhoras Deputadas Federais.

*Roberto Livianu, procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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