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Passou da hora de rever os critérios do Cade

Nossa autoridade de defesa da concorrência tem poderes amplíssimos para avaliar "fusões e aquisições" no Brasil, e não deveria ser diferente. Contudo, os critérios de notificação obrigatória estão ultrapassados e precisam ser revistos. É fácil, necessário e indolor fazer isso: menos burocracia, mais negócios.

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Por José Carlos Berardo
Atualização:

Desde a reforma da legislação concorrencial há quase uma década, uma série de negócios depende da prévia autorização do CADE - o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - para serem concretizados; mais especificamente, dependem do aval da Estado brasileiro certos tipos de negócios envolvendo grandes grupos econômicos, privados e estatais.

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Na sua redação original, a Lei 12.529 fixou essa definição de "grandes grupos" com base em receitas (faturamento), sendo obrigatória a análise prévia daquelas "concentrações empresariais" envolvendo um grupo com mais de R$ 400 milhões e, outro, distinto, com mais de R$ 30 milhões; logo em seguida à entrada em vigor da Lei, no longínquo mês de maio de 2012, uma portaria conjunta dos Ministérios da Justiça e da Fazenda elevou esses valores de faturamento dos grupos envolvidos para R$ 750 milhões e R$ 75 milhões, respectivamente (na conversão cambial da época, algo próximo de US$ 375 milhões e US$ 37,5 milhões).

Em uma conta simples, se esses valores de 2012 fossem corrigidos pela inflação (IPCA), hoje teríamos faturamentos de R$1,2 bilhão e R$ 120 milhões como o corte para a análise obrigatória do CADE. Se fôssemos corrigir esses valores pela SELIC - que para espanto de todos permanece como o incompreensível e ilegal critério de correção que o CADE adota para corrigir o valor das penalidades aplicadas por infrações - teríamos valores na casa de R$ 1,5 bilhão e R$ 150 milhões, o que corresponde, grosseiramente, a US$ 300 milhões e US$ 30 milhões, ao câmbio atual.

Não é possível calcular, do lado de fora da Administração Pública, o impacto que essa proposta de atualização dos valores tem no número de casos apreciados pela autoridade, mas é evidente que, nem que se considere a questão apenas do prisma da equidade e da previsibilidade, a atualização dos montantes que definem os grupos econômicos sujeitos ao escrutínio do CADE já deveria ter sido promovida pelo Governo Federal, e, quiçá, ser feita anualmente.

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José Carlos Berardo. Foto: Acervo pessoal

É notório que qualquer redução no volume de trabalho de uma equipe bastante assoberbada já seria um ganho significativo de produtividade na Administração Pública, pois mais servidores do CADE poderiam se ocupar do que realmente importa: negócios "transformacionais" de setores estratégicos, investigações de práticas abusivas, e, principalmente, do combate aos cartéis. Não por acaso é que recentemente a Alemanha mais do que duplicou seus critérios de notificação de fusões e aquisições.

Em 2004, na exposição de motivos do anteprojeto que iniciou os debates sobre a reforma da legislação concorrencial, já se havia se afirmado que critérios muito baixos de notificação geravam "mais custos para o setor privado e para o CADE, que gasta um tempo enorme hoje trabalhando como um mero 'cartório' de registro de operações". A mesma afirmação segue verdadeira hoje. A atualização de valores, além disso, não tem qualquer efeito colateral: a Lei acertadamente dá mecanismos para que o CADE requisite a apresentação de negócios que não sejam feitos por grandes grupos, e há diversas ferramentas para iniciar a investigação de "fusões" não apreciadas de forma prévia pelo órgão.

Nosso leitor mais crítico apontará, com toda razão, que o próprio valor de R$ 750 milhões fixado em 2012 é arbitrário, assim como é arbitrária a presunção legal de 20% de participação de mercado para a existência de uma "posição dominante", caracterização com profundas implicações jurídicas.

As mudanças poderiam, sim, ser mais profundas do que a mera atualização de valores, mas talvez seja mais eficaz fazer já o quê está à mão, deixando uma revisão mais profunda dos critérios de notificação - considerar apenas a receita da "empresa alvo" do negócio ou, como em outros países, o valor envolvido na própria negociação - para depois de uma reflexão mais apurada e estudada do que, como país, queremos para o nosso sistema de defesa da concorrência e, mais especificamente, para o controle das concentrações econômicas. Não é novidade, e as iniciativas europeias, alemãs, francesas, australianas e canadenses revelam isso, que a digitalização da economia impõe a necessidade de revisões profundas das formas de controle dos abusos do poder econômico por parte do estado, seja como proteção à livre concorrência, seja como proteção aos próprios direitos individuais.

"Questões de alta indagação" de lado, o que se propõe aqui é necessário, fácil, indolor, e pode ser implementado mediante Portaria Interministerial. Basta vontade política do Governo Federal para reduzir a burocracia e aumentar a produtividade e a efetividade de um dos melhores órgãos da Administração Pública deste país, que certamente não precisa das receitas das taxas processuais para se manter à frente.

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*José Carlos Berardo, sócio do Lefosse Advogados

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