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Passa-moleque bolsonariano

Por Wálter Fanganiello Maierovitch
Atualização:
Wálter Fanganiello Maierovitch. FOTO: DENISE ANDRADE/ESTADÃO Foto: Estadão

Para perpetuar memória, a Presidência da República, com o seu chefe de Estado e de governo Jair Messias Bolsonaro a assinar a petição inicial, ajuizou ação declaratória de inconstitucionalidade que, na verdade, esconde um "passa-moleque" voltado à busca de um álibi a ser apresentado aos eleitores em 2022.

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A ação aforada pela própria Presidência da República é incomum. Mas é legítima essa opção e nada a estranhar estar fora a Advocacia-Geral da União (AGU).

Um presidente da República quando age dessa maneira embute na petição inicial da ação o recado de estar a submeter à apreciação da cúpula do Poder Judiciário questão aguda e urgente, a envolver a unidade e o futuro do Estado nacional. Não é esse o caso, na provocação realizada por Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal.

A supracitada ação atacou os decretos sanitários, todos os três com suporte médico-científico, de contraste à pandemia e baixados pelos governadores do Distrito Federal e dos Estados da Bahia e Rio Grande do Sul. Não se deve olvidar a situação desesperadora com leitos de UTI faltantes, pessoal sem preparo em face das novas exigências, estoques de medicamentos e oxigênio em baixa, sob risco de não atender à demanda.

Bolsonaro sabe muito bem do insucesso dessa aventura jurídica. O Supremo já decidiu sobre a competência concorrente entre União, Estados federados e municípios, isso para impor restrições à circulação de pessoas, exigir distanciamentos sociais, etc.

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Fora do Brasil, até em Estados unitários - e a Itália cito como exemplo -, as regiões, ainda que sem autonomia expressa na Constituição (Trento e Bolzano são províncias autônomas e existem cinco regiões especiais, com estatutos com força constitucional), podem baixar normas administrativas para tentar conter a difusão de vírus numa pandemia, impor testagens e limitar o número de visitas de parentes nas residências.

No caso, as medidas restritivas contidas nos decretos atacados por Bolsonaro junto ao Supremo contribuirão, logicamente, ao mau desempenho da economia nacional, com reflexo no "PIB". Percebe isso até o dono de uma loja de armarinhos de pequeno município brasileiro, com as portas fechadas temporariamente. Nas nações governadas por chefes civilizados, o valor maior é a preservação de vida, com assistência material e espiritual aos necessitados.

A respeito, o novo presidente norte-americano injetou na economia o equivalente ao movimento anual de um "PIB" brasileiro, com apelo para as pessoas permanecerem nas suas casas e observar os cuidados higiênico-sanitários. Outro exemplo desse espírito humanitário, no decreto do presidente francês o governo paga o valor de mais da metade dos salários dos trabalhadores em recolhimento e se pode chegar ao dispêndio governamental de até 80% do valor da remuneração. Ainda ontem, novas medidas restritivas foram impostas pelo presidente Macron, a lembrar, também, que a Alemanha permanecerá em lockdown por quatro semanas.

Está claro, frise-se, ter o presidente Bolsonaro percebido que a economia brasileira sofrerá forte abalo em face das restrições sanitário-científicas que estão sendo impostas em vários Estados federados e municípios. Tal situação de sacrifício, e a mexer no bolso dos cidadãos, poderá influenciar e pesar na compulsiva busca de Bolsonaro por um segundo mandato presidencial. O valor do auxílio emergencial foi reduzido e tudo indica terá de ser pago por mais tempo do previsto.

Perante o eleitorado e para se isentar de responsabilidade pela situação econômica negativa que se deseja, Bolsonaro busca uma decisão do Supremo. Sua meta é transferir a responsabilidade a outrem pelo fracasso econômico e social. Bolsonaro irá, certamente, ressaltar que ele próprio - de mão própria - buscou, junto ao Supremo, derrubar os decretos dos governadores que levaram a economia do país à bancarrota. O discurso populista já está pronto.

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O tiro, no entanto, poderá sair pela culatra. O Supremo poderá entender pela carência da ação de inconstitucionalidade recém-proposta, sem entrar no exame do mérito. Não há interesse jurídico de agir quando uma matéria já foi decidida definitivamente em outra ação, com repercussão geral. Em outras palavras, os governadores podem expedir decretos em razão de existir conclusão do Supremo sobre as competências estaduais e municipais e a responsabilidade compartilhada com a União. O passa-moleque, no entanto, está dado e cabe ao Supremo não cair nessa esparrela de quinta categoria.

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Além desse passa-moleque consistente na ação direta de inconstitucionalidade, Bolsonaro, sempre com o objetivo de não assumir responsabilidades e continuar na sua postura negacionista à ciência e à medicina, jogou uma isca aos outros chefes de poderes.

Ao ignorar a separação dos poderes e as funções constitucionais específicas, Bolsonaro acenou com a constituição de um comitê para se acompanhar o enfrentamento da pandemia. Algo patético, mas, para Bolsonaro, tudo vale, até assumir a condição de aprendiz de feiticeiro. Por exemplo, como faria o Supremo para julgar a ação proposta por Bolsonaro enquanto partícipe de um comitê fiscalizador?

Para repetir a imagem de um precioso editorial do jornal o Estado de S. Paulo desta semana existe uma "linha vermelha". De se acrescentar, basta ter olhos de ver para se chegar à conclusão de que essa a "linha vermelha" do tolerável já foi atravessada por Bolsonaro e o mandato outorgado que lhe foi outorgado pelo povo carece ser rescindido, pela via constitucional do impeachment.

Os arroubos golpistas de Bolsonaro já ultrapassaram o limite do razoável. No momento, o seu ministro da Justiça orienta uma política de perseguição aos críticos do governo, a fazer lembrar Filinto Muller, na ditadura Vargas.

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A garantia constitucional da liberdade de expressão está, no governo Bolsonaro, sendo ignorada e substituída pela ultrapassada e genérica Lei de Segurança Nacional. O mau exemplo, no caso, veio com portaria da presidência do Supremo, aprovada por dez ministros. O Pretório inventou um inquérito judicial e o ministro que veste os panos de Torquemada usa a Lei de Segurança Nacional para censurar. Já se sente o efeito cascata, a ponto de policiais militares, como se viu na semana em curso, considerarem críticos do governo Bolsonaro como violadores da Lei de Segurança Nacional.

Por último. Inexplicável foi a ligação telefônica do presidente do Supremo, Luiz Fux, a interpelar o presidente Bolsonaro sobre a menção feita a "estado de sítio". Basta abrir e ler a Constituição para se perceber que tal medida de exceção, dada a tipicidade estabelecida no artigo 137, não se confunde com uma situação pacífica de comoção decorrente de mortes, internações e de incúria do governo federal no enfrentamento da pandemia.

No mais, a nossa Lei Maior fala em solicitação do chefe de Estado e de governo ao Congresso Nacional. E a solicitação de imposição do "estado de sítio" necessita de aprovação por maioria absoluta. Fux se perdeu ao interpelar Bolsonaro. Ainda mais, interpelou um insano que deveria estar, a esta altura, fora da Presidência por impeachment, ou interditado judicialmente, com curador a reger a sua pessoa.

*Wálter Fanganiello Maierovitch preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais. É professor de Direito, desembargador de carreira aposentado, Cavaliere della Repubblica Italiana e comentarista da rádio CBN, quadro Justiça e Cidadania

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