Este artigo complementa o primeiro, publicado nesta segunda-feira, 17.
O concurso público de projeto para a a definição das novas feição e função do Vale do Anhangabaú, realizado nos anos 80 do século passado, foi um dos maiores do gênero no Brasil. Depois que a Prefeitura aceitou a ideia, o ponto de partida foi dado em 23 de fevereiro de 1981, quando foram abertas as inscrições para o certame, patrocinado pela Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) e realizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).
Inscreveram-se 155 profissionais, dos quais 93 efetivamente apresentaram propostas. Entre 31 de março e 3 de abril, eles participaram de seminário onde ouviram opiniões de vários segmentos da sociedade. No início de maio foi anunciado o júri do concurso: Eduardo Corona, Jon Adonis Maitrejean e Fernando Chacel, de São Paulo; Carlos Maximiliano Fayet, do Rio Grande do Sul; e Edgar Graeff de Brasília. E finalmente em 9 de junho de 1981, em cerimônia que lotou o auditório da Prefeitura, foi anunciado o projeto vencedor.
Ocupando meia página, o JT estampou na capa um esboço do concorrente . 17 com o título "Anhangabaú vira Parque". Sua prancha lembrava premonitoriamente uma frase de George Bernard Shaw: "Você olha o que existe e se pergunta por quê? Eu imagino o que não existe e me pergunto por que não?
Em duas páginas internas o jornal detalhava o projeto. Em síntese, ele previa o rebaixamento das pistas de tráfego do vale entre os viadutos do Chá e Santa Efigênia, com a construção de dois túneis, sobre os quais seria construída uma laje para sustentar um parque de 7,7 hectares de área. "Nada de automóveis e pedestres brigando pelo espaço; nada de barulho de escapamentos interrompendo as conversas; nada de enchentes de verão. "Em vez disso, muito espaço para circulação de pessoas a pé, muitas árvores, bancos, jardins, um anfiteatro, creches.... ".. A nova paisagem do vale, diziam os autores, devolveria ao Anhangabaú a sua urbanidade.
Jorge Wilheim e Rosa Kliass já tinham feito diversos projetos em conjunto.Ele, falecido em 2014, foi um urbanista de mão cheia, fez o primeiro plano diretor para uma cidade brasileira (Curitiba) e chegou a ser secretário-executivo da ONU-Habitat. Ela tem trabalhos consagrados em todo país e segue recebendo diversas condecorações como "grande dama" da arquitetura da paisagem no Brasil, a última dela o "Colar de Ouro" do IAB, no ano passado.Da equipe faziam parte ainda os arquitetos Carmen Lydia Nogueira Rocha e Silva, Jamil José Kfouri, Jonas Birger, Marcelo Botter Martinez, Maria Lucinda Meirelles Aguiar e Michel Todel Gorski. Além disso, houve diversos consultores.
Em 1982, Reynaldo de Barros desincompatibilizou-se do cargo para concorrer a vice-governador na chapa, derrotada, de Paulo Maluf, seu padrinho político. Apesar de ter dito em 9 de junho de 1981 que tocaria a obra do Parque "o mais rápido possível", saiu antes de propor projeto de lei para garantir a execução da proposta vencedora, o que evitaria a repetição da novela de planos que nunca saíram do papel. Seu sucessor, Antonio Salim Curiati (1982-1983), prometeu dar início à obras, mas voltou atrás, o que me levou a escrever em 14 de junho de 1982: "Tudo o que se discutiu sobre o Anhangabaú foi em vão? Todas as pessoas que se empenharam, de uma maneira ou outra, para solucionar os problemas dessa região, fizeram papel de idiotas?"
Ainda com a paisagem antiga, em 16 de abril de 1984 o vale abrigou uma das maiores manifestações da campanha "Diretas Já" reunindo mais de um milhão de pessoas. A passarela sob o Viaduto do Chá serviu de palco.
Não tivemos eleição direta para Presidente da República, mas dois anos depois a população de São Paulo voltou a escolher seu prefeito. E foi Jânio Quadros (1986-1988) que, enfim, deu início às obras do Parque Anhangabaú em 1988. Alguns dizem que uma de suas motivações foi acabar com o túnel "Buraco do Adhemar", na confluência da avenida São João, ponto crítico de enchentes, construído pelo inimigo político Adhemar de Barros.
Coube a Luiza Erundina (1989-1993), sua sucessora, inaugurar o Parque em dezembro de 1991, quando eu já trabalhava na Agência Estado.
O Jornal da Tarde circulou entre 1966 e 2012. Não chegou a cobrir a administração Fernando Haddad (2013-2016), que iniciou o novo processo da renovação do vale a ser entregue por Bruno Covas (no cargo desde 2018).
R.I.P. Parque do Anhangabaú (*1991 /+2020).
*Júlio Moreno, 70 anos, é jornalista desde 1966. E-mail julio_moreno@outlook.com