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Pandemia, sofrimento, impossibilidade de fazer diferente e adoecimento

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Por Cirilo Tissot
Atualização:
Cirilo Tissot. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Não está sob nosso controle a forma como reagimos sentimentalmente à vivência de um isolamento social imposto. Porém, certas características individuais como temperamento, idade, capacidade individual para se adaptar a situações desconhecidas e a criação de novas rotinas, nível de segurança sobre a própria identidade e firmeza na autodeterminação, entre outras propriedades, podem diminuir ou aumentar a intensidade da sensação de estresse.

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O contexto onde o isolamento se desenvolve pode também afetar sobremaneira o manejo satisfatório do desconhecido. A percepção de conforto material e emocional, na possibilidade de se dividir o isolamento com quem se gosta e onde e na forma que se quer, pode estar mais relacionado à ideia de um sonho do que a um ambiente propício ao adoecimento. Neste sentido, o nível social e o conforto a ele relacionado, junto com as fragilidades ou recursos individuais, influenciam o nível de pressão sobre nossa saúde mental.

Se uma pessoa é tímida ou tem dificuldade na convivência com pessoas, o isolamento pode não exigir nada ou algo pouco diferente do que já era praticado diariamente. O idoso que já vive isolado da sociedade, pouco saindo, também não é fortemente afetado pelas mudanças ocasionadas pela quarentena.  No entanto, para aqueles que têm seu convívio familiar interrompido pelo isolamento, sofrem mais e podem, inclusive, desenvolver sintomas psíquicos, mesmo que esse isolamento tenha sido causado por bons motivos de proteção. Pessoas compulsivas por esporte, trabalho, compras, terão que se confrontar com a abstinência durante o isolamento. Nesta direção, nenhuma patologia mental seria criada, mas evidenciada.

Na prática, situações vividas como estressantes podem ser traumáticas, seja por desconhecimento dos atributos da nova realidade, pela perda de uma rotina que poderia nem ser satisfatória, mas que era conhecida, ou pela indefinição de parâmetros que poderiam dar luz ao caminho a ser seguido na busca pela saída da reclusão. O contexto do adoecimento é aquele determinado por uma reação de defesa do tipo luta ou fuga. Onde o incômodo e o clima de alerta constante reforçaria em nós mais de nós mesmos.

Uma pessoa que costuma reagir emocionalmente com características ansiosas poderá adoecer de ansiedade ou uma pessoa que reage com tristeza poderá, com o estímulo  traumático desenvolver depressão. Uma pessoa que luta contra solidão pode se sentir condenada a um estado que procura combater, desesperando-se.

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Resumindo, o estresse criado pelo isolamento e suas variáveis, revelam nossas fragilidades na tentativa de enfrentamento. O adoecimento decorre desta falência.

Sentimentos gerados pelo coronavírus

Estamos lidando com uma situação de estresse pela possibilidade de adoecermos fisicamente. Aceitarmos a condição do isolamento como uma medida preventiva e de solidariedade a comunidade exercita o nosso lugar de cidadão, mas não sem o custo do sofrimento mental decorrente do medo e das perdas inerentes ao processo. A dica está em reconhecer e aceitar a normalidade de nos sentirmos angustiados nestas condições.

Estando o problema apresentado poderemos focar nossas atenções para  dois caminhos diferentes de enfrentamento.

O primeiro deles tem haver com o reforço da nossa identidade, o discernimento que temos sobre quem somos, nossas crenças e valores, as expectativas e o significado que queremos dar a nossa existência, resumidos e concretizados em um projeto de vida e como nos autodeterminamos para cumprir com o que estabelecemos como prioridade. Perceber que continuamos sendo nós mesmos, apesar do entorno ter mudado, possibilita ações de adequação e a espera por tempos melhores.

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De forma complementar, um segundo caminho estaria relacionado a forma como vivenciamos nossos sentimentos com as outras pessoas, ou melhor, como nos relacionamos em períodos de crise. Neste sentido, exercitar a capacidade de conversar de forma íntima com quem temos confiança ajuda na diminuição da sensação de sobrecarga. Conjuntamente, desenvolver empatia pelos problemas e limitações das outras pessoas nos ajuda a sermos solidários e não nos sentirmos só.

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E o excesso de informações pode traduzir nosso desejo e ânsia por parâmetros confiáveis de direcionamento e de controle sobre os eventos externos. A procura por ações de proteção satisfatórias, que nos acalmariam, estariam subjugadas a intensidade da sensação de aniquilação presente em nós. Diferenciar as notícias que refletem os fatos com neutralidade daquelas que exploram as fantasias das pessoas parece ser a melhor opção para manter a sanidade mental. Ao mesmo tempo, escolher um período do dia para se atualizar evita a compulsão por informações e a possível influência negativa sobre nosso estado mental.

Após essa pandemia, há a probabilidade de aumentar pacientes em consultórios psiquiátricos e em sessões de terapia. A vivência do isolamento pode trazer para as pessoas uma série de reflexões, sobre o sentido que se estava dando a vida e a desorientação inerente a quebra da rotina e de crenças que norteavam as escolhas diárias, a proximidade com a ideia da morte e o sentimento de solidão. A terapia é um espaço propício para transformar aquilo que é sentido com muita angustia em ganhos pessoais, ao promover o amadurecimento emocional. Como dito anteriormente, passar por uma situação estressante pode ser traumática, com os sentimentos negativos persistindo após a pandemia ter acabado. O sofrimento gerado e a impossibilidade de fazer diferente caracteriza o estado de adoecimento. Em ambos os casos, a procura por ajuda profissional pode proporcionar o alívio do sofrimento e o aumento da qualidade de vida.

*Cirilo Tissot, médico psiquiatra, diretor técnico da Clínica Greenwood e terapeuta familiar

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