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Pandemia: o sofrimento das mães do Brasil

Por Lídice Leão
Atualização:
Lidice Leão. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Brasil tem 20 milhões de crianças com idades entre cinco e onze anos, segundo pesquisa do IBGE feita em 2018. Também, de acordo com o instituto, cada mulher tem, em média, dois filhos. O que significa, sempre pela média, que 10 milhões de mulheres viveram mais de dois anos e meio de angústia, sem saber se e quando iriam poder vacinar a sua prole contra a Covid-19. Está certo que existem, neste total, mães que não pretendem vacinar os filhos, mas, certamente, é uma minoria dentro do universo das famílias brasileiras preocupadas e ansiosas pelo momento da vacinação.

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Mais uma vez, em um contexto social - neste caso, um cenário que envolve saúde pública - a mulher, a mãe, está no centro do sofrimento. Mães que já perderam seus pais para o vírus. Mães que já perderam suas mães. Mães que já perderam seus companheiros ou companheiras. Mães que já perderam parentes, amigas, amigos, colegas, vizinhas, vizinhos. E, como se tudo isso não bastasse, vivem diariamente a angústia de perder os filhos.

Conheço muitas mulheres que têm filhos nessa faixa etária e não há uma que não expresse de forma constante o medo da pandemia e a ansiedade por saber quando suas crianças serão finalmente vacinadas contra o coronavírus. Arrisco dizer que muitas delas não falam em outro assunto. A incerteza sobre a vacinação dos filhos virou o principal problema do corrido cotidiano dessas mulheres.

Aí, no meio de tudo isso, um pouco antes do Natal, vem a notícia mais aguardada pelas 10 milhões de mães de filhos de cinco a onze anos no Brasil: depois de uma análise técnica e estudos clínicos, a Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária - aprova a vacina infantil da Pfizer para imunização contra a Covid-19 de crianças nessa faixa etária. Esperava-se que o próximo passo fosse o detalhamento da logística de recebimento das doses, seguido pela tão esperada divulgação do cronograma. Ledo engano. À indicação da Anvisa seguiu-se um imbróglio de debates, reuniões e questionamentos oficiais que durariam mais 20 dias. Período esse que, para mães desesperadas em meio a uma pandemia, transforma-se em uma eternidade de sofrimento.

Aliás, aqui abre-se um parêntesis para a pergunta que nunca cala e nunca é respondida: por que tudo o que diz respeito às mulheres, às mães, no Brasil, se traduz em sofrimento? Por que esse sofrimento atravessa anos, décadas, gerações e, mesmo reduzido aparentemente como resultado de campanhas e legislações, sempre volta? Por que nos momentos mais difíceis, quando uma sociedade inteira sofre - como nos últimos dois anos, imersa em uma pandemia - é à mulher que cabe o sofrimento mais agudo, mais extenso?

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Fim do parêntesis. Perguntas para serem pensadas, quem sabe um dia respondidas e, espera-se, equacionadas.

Após 20 dias de mais angústia, medo e preocupação, as mães recebem, enfim, a notícia da liberação da vacina por parte do governo federal. Não sem antes o Supremo Tribunal Federal impor uma data limite. E, assim, as mães do Brasil já podem se programar de acordo com o cronograma que começa a ser preparado e divulgado pelas prefeituras. Agora é questão de semanas ou, no máximo, um ou dois meses. Em breve, haverá um calendário no fim do túnel.

Problema resolvido? As mães do Brasil podem respirar aliviadas? É claro que não; os casos de contaminação pela Ômicron explodem em todo o mundo. E a primeira morte causada pela variante acaba de ser registrada no Brasil. Hora de redobrar os cuidados com os pais idosos, com os companheiros e companheiras que saem para trabalhar, com as crianças menores de cinco anos, com parentes, amigas, amigos. E, se sobrar tempo, hora de cuidar mais e melhor - também e principalmente - de si.

*Lídice Leão é jornalista, pesquisadora e mestra em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo

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