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Pandemia e as oportunidades no mercado de créditos judiciais

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Por Rodrigo Valverde
Atualização:
Rodrigo Valverde. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O fenômeno Covid-19 provocou uma crise que afetou muitos setores da economia mundial e incontestável ainda que os impactos no Brasil foram tremendos.

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Muitos setores foram prejudicados. O setor de turismo chegou a operar em abril com apenas 10% dos voos na chamada malha aérea essencial, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Atividades como vestuário/calçados e veículos sofreram quedas no volume de vendas acumulado no ano de 30% e 18%, respectivamente, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Enquanto isso, outros setores se transformaram. Estabelecimentos de alimentos e bebidas aprenderam da forma mais rápida, prática e dinâmica possível a tão falada resiliência. E apesar da última pesquisa nacional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) apontar que mais da metade dos donos destes estabelecimentos relataram ainda operar no prejuízo, muitos se adaptaram e ingressaram no mercado de delivery.

Na contramão da crise, muitos setores viveram um crescimento significativo e uma atividade ainda pouco conhecida - que da mesma forma enxergou oportunidade de expansão - foi o mercado de créditos judiciais.

Entre precatórios e processos judiciais de naturezas trabalhista, cível e de direito do consumidor, existem empresas que compram processos judiciais. Conhecidas como gestoras de ativos judiciais ou mesmo intermediadoras, elas atuam ainda de forma discreta no mercado brasileiro.

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Em um cenário onde existem milhões de processos tramitando na Justiça, somados ao rastro deixado pela crise de alta taxa de desemprego e queda na taxa Selic, o mercado de cessão de crédito assiste a um aumento de demanda.

Segundo o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem hoje 80 milhões de processos tramitando na Justiça. Considerando esse mesmo documento, 12 anos é o tempo médio que o Poder Judiciário leva para baixar um processo estadual e cinco anos para um processo trabalhista. Sem contar que existe ainda a possibilidade de um processo ficar parado na Justiça à espera de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que aumenta significativamente esse tempo de resolução e consequentemente, o autor do processo demora mais para receber seu dinheiro.

Em um momento em que muitas pessoas tiveram suas finanças afetadas por fazerem parte da mais alta taxa de desemprego e desocupação desde 2012 (PNAD, IBGE), pode-se dizer que atualmente, o "tempo" não é um recurso tão disponível assim.

Essa mesma situação de desemprego inviabiliza inclusive a alternativa de capitalização via solicitação de créditos e empréstimos, já que não existe mais a garantia de um salário para muitos brasileiros.

Por outro lado, a queda da taxa Selic levou investidores a buscarem outras modalidades de investimentos. Não sendo mais tão vantajoso a aplicação de recursos em fundos que consideram essa rentabilidade, investidores partiram em busca de modelos alternativos.

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Nesse contexto, o mercado de direito creditório mostrou-se uma opção bem atrativa. Situação essa respaldada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), que no mês de novembro registrou um aporte de R$ 2,5 bilhões para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). Créditos de disputas judiciais também configuram direitos creditórios.

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Esses fundos de investimentos participam de empresas intermediadoras ou gestoras de ativos judiciais de direitos creditórios. Nesse ambiente, existe um ecossistema de lawtechs ou legaltechs, que são startups que, com base na tecnologia, desenvolvem soluções para atender demandas de cunho jurídico.

Em 2020, a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) identificou um crescimento de 300% no número de startups de natureza jurídica, na comparação com o ano de 2017.

Então, considerando a atual condição e necessidade dos brasileiros para regularização de suas contas, o aumento em investimentos alternativos como os de direito creditório, uma vez que uma pessoa física é autora de um processo judicial, surge aqui um encontro de fatores para proporcionar liquidez a uma parcela da população.

Mas como realmente funciona a venda de um processo judicial? Ainda que pouco conhecida, a cessão de crédito - como é caracterizada a venda de um processo judicial - é legal e prevista no Código Civil. No exterior, inclusive, é uma prática muito comum, com diversos fundos operando bilhões de dólares anualmente em ativos dessa natureza.

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Uma vez que uma pessoa física é autora de um processo que irá gerar ganhos no futuro, ela poderá ceder tal crédito ao comprador que assumirá então a ação. Por meio da assinatura de um documento, será realizada a chamada cessão de crédito.

Obviamente o comprador terá seus critérios de compra que podem considerar desde a natureza da ação (precatórios, processo trabalhista, cível ou de direito do consumidor), até características como a fase processual, valor de sentença, se envolve empresa em situação de recuperação judicial ou não, entre outros. Ao atender aos critérios de aquisição, o comprador faz ao autor a sua proposta de compra.

Importante ainda ressaltar que não se trata de um empréstimo. Quando a cessão de crédito é realizada, o autor não precisa devolver o dinheiro da transação em caso de insucesso da ação. Aliás, mora aqui uma das vantagens da venda de um processo.

Além de antecipar o seu crédito e não esperar anos na Justiça por uma resolução, o autor da ação também se liberta dos trâmites burocráticos e do risco do processo eventualmente não ter um final feliz, considerando ainda a possibilidade de a empresa processada falir e não ter condições de pagar a sentença cabida.

Concluindo, principalmente pela retração da taxa Selic e atração de investimentos, a crise trouxe um crescimento significativo para o mercado de gestão de ativos judiciais, que munido de maiores recursos, amplia sua atuação no oferecimento de liquidez para muitas pessoas que possuem ações paradas ou em andamento.

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É uma oportunidade e uma solução para a morosidade do sistema judiciário que, infelizmente, por ser um setor ainda muito engessado, desincentiva brasileiros a buscarem seus direitos, ou perderem a esperança de uma resolução mais rápida para uma ação judicial em vigor.

A crise gerou muito desemprego, mas os brasileiros continuam tendo contas e aluguéis para pagar. Para muitos, não existe mais a possibilidade de pedir um empréstimo, que, diga-se de passagem, só irá acrescentar mais um compromisso de pagamento. Mas a cessão de crédito pode ser a luz no final do túnel para milhões de brasileiros.

*Rodrigo Valverde, sócio da Pro Solutti Capital, gestora de ativos judiciais

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