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Pandemia, distanciamento social e o valor dos imóveis comerciais

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Por Alberto Mattos de Souza
Atualização:
Alberto Mattos de Souza. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A mudança nos hábitos da sociedade ocasionada pela pandemia Covid-19 impactou diversos setores da economia gerando uma necessidade ímpar de adequação e ressignificação. Sem dúvida as relações de trabalho e o debate sobre o que fica e o que volta a ser como era, faz parte da pauta diária das corporações. O que já sabemos é que a flexibilização da forma de trabalho, o home office, veio pra ficar - com mais ou menos intensidade. O mundo percebeu que é possível trabalhar de casa e fazer reuniões online com o mesmo nível de produtividade alcançada em um escritório tradicional. E esse novo comportamento afeta diretamente o mercado imobiliário.

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O distanciamento social é também fator determinante nessa equação e, em maior ou menor grau, pode ser perene. Com isso muitos imóveis comerciais já não têm mais capacidade de abrigar o mesmo número de pessoas que antes e isso compromete o seu aproveitamento e este é um dos fatores mais relevantes na precificação de um ativo imobiliário. E se um imóvel tem o seu potencial de uso diminuído, o seu valor terá de seguir, necessariamente, o mesmo caminho.

A relação entre o aproveitamento e o valor de um imóvel é fato inquestionável e pode ser facilmente constatado quando as partes fixam o preço de compra e venda de um terreno ou quando acordam uma relação locatícia. Todos lembramos, por exemplo, da corrida de proprietários e incorporadoras para protocolar projetos amparados pelo art. 162 da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município de São Paulo, que garante o chamado "direito de protocolo", assegurando a aplicabilidade da norma em vigor na data do pedido de aprovação de um projeto, mesmo que as novas diretrizes alterem as regras sobre determinado terreno. A razão para tanto é simples: a nova lei alterava o aproveitamento de imóveis em determinados locais da cidade, aumentando em algumas situações, diminuindo em outras, valorizando, portanto, alguns terrenos e desvalorizando outros.

O futuro é incerto com relação às práticas de distanciamento social. É inquestionável, entretanto, que durante a quarentena o aproveitamento dos imóveis mudou. Assim como a sua localização e área, a capacidade de abrigar pessoas e, com isso, propiciar a geração de receita à operação, afeta diretamente o valor de um imóvel.

Em São Paulo eventos com público sentado, como cinemas e teatro, poderão operar apenas com 40% da capacidade, além de outras restrições como, por exemplo, a necessidade de compra antecipada dos ingressos. O uso dos escritórios, bares e restaurantes segue os mesmos tipos de restrições. E isso precisa ser levado em consideração em toda a cadeia produtiva impactada, incluindo a locação de imóveis.

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Um restaurante que antes acomodava cem pessoas na hora do almoço, hoje acomoda uma quantidade menor. O mesmo efeito é sentido por academias, teatros e coworkings, por exemplo. Se o imóvel destinado ao desenvolvimento de uma atividade comercial não pode ser utilizado com o mesmo aproveitamento que serviu de parâmetro para o estabelecimento das bases comerciais na data de celebração do negócio, é razoável que o seu valor seja revisitado.

O locatário concordou com um valor de aluguel porque poderia receber certo número de pessoas no imóvel; o que geraria uma determinada receita que serviu de fundamento para a viabilidade econômica do seu negócio. Será que ele aceitaria pagar o mesmo preço pela metade da capacidade do imóvel? Embora a área total não tenha sido alterada, a capacidade operacional foi.

É muito comum ouvirmos que o locatário deve "ajustar o seu negócio à nova realidade". Nada mais verdadeiro. Entretanto, a necessidade de se adaptar é de ambas as partes. Não pode valer apenas para "o outro". Além do mais, a manutenção da forma e o destino do imóvel durante todo o prazo do contrato é obrigação legal expressa do locador.

É também verdade que o home office, se bem administrado, pode trazer economia às empresas. Estabelecendo-se uma escala eficiente de trabalho presencial, uma mesma estação de trabalho pode servir a dois ou mais colaboradores, postergando, por exemplo, a necessidade de ampliação do espaço físico de uma empresa. Se antes um escritório comportava uma equipe de 50 pessoas, hoje, com o rodízio, esta equipe pode ser de 100 pessoas, metade in loco e a outra metade em casa. Amanhã, o oposto. Ora, será razoável entender que o aproveitamento daquele imóvel aumentou?

Não há uma resposta certa para todas essas perguntas. A única certeza é que a necessidade de adaptação aos novos tempos se impõe a todos os atores do mercado e não apenas a uma parte deles. Da mesma forma as bases contratuais e as características do caso concreto deverão ser levadas em consideração pelos envolvidos em qualquer negociação.

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A revisão dos contratos é exceção e a sua celebração obriga os seus contratantes ao seu cumprimento integral. É importante ressaltar que a não observância dos contratos é o primeiro passo em direção à insegurança jurídica. O desrespeito em série dos contratos é uma doença e afeta diretamente o desenvolvimento econômico e compromete o amadurecimento de uma sociedade.

Por isso, toda e qualquer negociação ou renegociação deve estar sempre pautada pela boa fé. O País agradece.

*Alberto Mattos de Souza é sócio do PMMF Advogados, LLM de Direito Societário, pelo Insper. Pós-graduado em Negócios Imobiliários, pela Fundação Armando Álvares Penteado. Certificate na Universidade da Califórnia. É Membro da Comissão de Negócios Imobiliários do Ibradim

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