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Panaceia jurídica: o engodo da PEC da prisão em segunda instância

Por Leonardo Magalhães Avelar e Alexys Campos Lazarou
Atualização:
Leonardo Magalhães Avelar e Alexys Campos Lazarou. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Desde o debate sobre o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o inegável apelo eleitoral que o fato carregava, o início do cumprimento de pena assumiu um protagonismo para muito além dos bacharéis. Foi naquele momento que o Supremo Tribunal Federal (STF) deu uma guinada em sua jurisprudência para permitir a prisão naquele caso, carregando consigo uma maciça parcela da opinião pública e resvalando em todos os demais casos. De forma equivocada, o tema ali deixou de ser estritamente técnico --uma leitura objetiva da Constituição-- para se tornar uma pauta de segurança pública.

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Em novembro de 2019, passado o tumultuado período eleitoral, o STF concluiu o julgamento de Ações Declaratórias de Constitucionalidade que, resumidamente, pediam para a Suprema Corte reconhecer a leitura correta da situação. Ou seja, que "ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" significa exatamente o que está escrito; conforme previsto expressamente na Constituição Federal. Passa-se então a possibilitar o início do cumprimento da pena, salvo em prisões cautelares, apenas com o trânsito em julgado do último recurso possível.

Com o resultado, ainda que o Poder Judiciário tenha reparado parte de sua racionalidade e coerência, era de se esperar que os demais agentes políticos buscassem manobrar a questão e se alimentar do apelo que o tema conjugou. Nesse ponto, avançamos para a parte mais sensível.

Na medida em que o dispositivo acima transcrito representa uma garantia individual, há um impeditivo concreto para que qualquer legislação altere seu teor, assumindo status daquilo que chamamos de cláusula pétrea (art. 60, § 4°, da CF). Por essa razão, vários dos esforços legislativos para emendar a Constituição nesse ponto em específico já nasceram inconstitucionais.

Dentro disso, como meio de contornar a questão, um projeto apresentado pelo Deputado Federal Alex Manente (CIDADANIA/SP) busca, ao invés de alterar o texto que trata do trânsito em julgado, substituir a natureza dos recursos possíveis para encurtar esse caminho de forma transversa.

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Para tanto, na prática, a PEC 199/19 estipula o fim dos recursos extraordinário e especial - direcionados, respectivamente, ao STF e ao STJ - para os transformar em uma "ação revisional", que manteria o direito de petição aos Tribunais Superiores, limitando a análise de tais ações à existência de erro material ou formal, excluídas questões probatórias.

É necessário endereçar a questão com a devida clareza. Os recursos extraordinário e especial, hoje, já não possibilitam a análise de questão relativa à prova (e.g.: Súmula 279 do STF e Súmula 7 do STJ). No fim das contas, o projeto busca apenas trocar o nome dos recursos hoje existentes, com a diferença de que ali será inscrito que sua interposição não prejudica o início de cumprimento da pena. Ou seja, a iniciativa persiste em violar a presunção de inocência, ainda descaracterizando a função de revisão e uniformização que as Cortes Superiores possuem em face dos demais Tribunais.

Mais que isso, na prática, a alteração proposta transforma em matéria constitucional um hábito dos Tribunais que deveria ser repreendido, não estimulado. O manejo de recursos hoje já esbarra na chamada jurisprudência defensiva, pela qual são criadas regras que afunilam o recebimento de recursos para encurtar o trabalho revisional nas instâncias superiores, relegando o julgamento de mérito à pura casuística, escolhendo-se quando um ou outro recurso merece atenção mais detida. É evidente o quanto que o projeto desconhece a realidade do sistema penal.

Nos é muito claro que os Tribunais estão atolados de processos, que a sensação de insegurança é um elemento motriz justificável para promoção de políticas públicas ou mesmo que existem os casos nos quais a interposição de recursos possa ser estritamente protelatória.

O que não podemos aceitar é que se deixe suprimir direitos ao invés de se cobrar maior eficiência, ao invés de se implementar políticas que de fato alcançam o centro do problema e não sejam puramente simbólicas, ou, ainda, que se penalize um mar de jurisdicionados desassistidos, cujos casos seguem em franca ilegalidade (esta, cada vez mais publicada pela mídia), apenas porque se julga que pequena parcela dos cidadãos aparenta alavancar uma vantagem qualquer.

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Os últimos anos nos são de fiel testemunha sobre os efeitos nocivos de abraçarmos anseios populares difusos e avançarmos para autoritarismos. Assegurar um direito é um processo muito mais demorado do que o podar, e nunca sabemos bem quando nos fará falta. Ao nosso ver, o presente projeto se faz de cego para problemas reais da prática forense, confunde as soluções, patrocinando mais um infeliz retrocesso.

*Leonardo Magalhães Avelar e Alexys Campos Lazarou, advogados criminalistas e membros do Observatório do Direito Penal

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