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Pagamento dos precatórios: a emenda constitucional cidadã

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Por Marcus Vinicius Furtado Coêlho
Atualização:
Marcus Vinicius Furtado Coêlho. Foto: André Dusek/Estadão

No calor dos debates sobre a PEC do Teto dos Gastos, promulgada em 15 de dezembro, uma outra emenda igualmente relevante e abrangente ficou em segundo plano, apesar de ter sido promulgada no mesmo dia. Trata-se da PEC da Cidadania, que estabelece um novo sistema de pagamento de precatórios (títulos de dívidas do Poder Público com pessoas físicas e jurídicas) e, por isso, beneficia milhões de brasileiros. Ela determina que os Estados, os municípios e o Distrito Federal paguem, até 2020, dentro de um regime especial, os precatórios pendentes até 21 de março de 2015 e os precatórios com vencimento em até 31 de dezembro de 2010. Fica instituído ainda um regime de sanções aos entes federados inadimplentes.

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Desse modo, a Emenda Constitucional 94 afasta a incerteza e a insegurança que assombra os credores. Ela introduz na Constituição, para acabar com qualquer desavença, um entendimento que já era pacificado no Supremo Tribunal Federal, mas que, por ausência de uma lei, era desobedecido em algumas situações.

Segundo o plenário do STF, precatórios devem ser pagos em cinco anos e corrigidos pelo índice real da inflação. Essa decisão foi tomada no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.357 e 4.425, ajuizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que conseguiu demonstrar que o artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) contrariava cláusulas pétreas (aquelas que não podem ser alteradas) se continuasse com a redação que lhe fora dada pela Emenda Constitucional 62, conhecida como "PEC do Calote".

O processo que resultou na nova emenda exemplifica a importância do diálogo institucional na interpretação da Constituição. Poderes Judiciário e Legislativo, cada qual com a expertise institucional que lhe é própria, trabalharam para chegar à solução adequada ao problema do pagamento de precatórios. Sozinhos, dificilmente chegariam a uma decisão mais justa do ponto de vista de credores e devedores.

É fundamental pensar um modelo de judicial review que reconheça e valorize a exegese constitucional realizada por outros sujeitos que não exclusivamente o tribunal constitucional, como proposto por Mark Tushnet, professor da Universidade de Harvard: "deve-se pensar acerca da prática do controle de constitucionalidade fora da moldura para conceber um modelo que distribui melhor a autoridade da interpretação do texto constitucional".

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Assim fizeram países de forte tradição democrática, como Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia, cujo sistema possui ferramentas que permitem a maior interação entre os poderes na definição do significado de cláusulas constitucionais e da compatibilidade da lei ordinária com a lei fundamental. Para Janet Hiebert, professora de Universidade de Queen's, o diálogo faz-se indispensável na medida em que "melhores respostas são mais plausíveis de surgir quando produtos de julgamentos arrazoados e cautelosos de justificação de ações estatais sob a luz dos valores políticos fundamentais normativos".

Outro exemplo positivo da interação entre as instituições que atuaram para a promulgação da PEC, é o conteúdo cidadão que ela apresenta ao determinar prioridade no pagamento de débitos alimentícios às pessoas com idade superior a 60 anos, portadores de doenças graves ou com deficiência física.

A sociedade civil, por sua vez, também tem efetivamente participado desse tipo de diálogo institucional. Em meu período como presidente da OAB, maior entidade civil do país, tive a chance de conversar sobre o tema com autoridades como o ministro do Luiz Fux, relator da matéria no STF, e o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo. O objetivo era buscar saídas para os grandes devedores, dos quais São Paulo é o maior, para pagar os débitos sem inviabilizar o normal funcionamento da máquina pública. A lealdade com que todos os agentes participaram da discussão foi fundamental para o processo que resultou na Emenda 94.

O pagamento das dívidas judiciais é uma obrigação do Poder Público prevista na Constituição. A garantia do seu cumprimento mediante a nova Emenda Constitucional 94 consiste em importante vitória do diálogo de alto nível que deve presidir a relação entre os Poderes e entre as pessoas responsáveis por conduzir o Estado e a sociedade.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente nacional da OAB, é doutor em direito processual e advogado militante, em Brasília.

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