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Outros caminhos possíveis para além da ação renovatória

Por Ricardo Dornelles Chaves Barcellos
Atualização:
Ricardo Dornelles Chaves Barcellos. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Este artigo tem como propósito bem demonstrar na prática a utilidade na adoção de técnicas ou métodos autocompositivos para a solução de disputas comerciais de forma preventiva, buscando uma maior eficiência de custo do litígio versus benefício alcançado. Para tanto, utiliza-se como pano de fundo o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito de prática muito comum no meio imobiliário - a chamada ação renovatória, que permite que o inquilino obtenha judicialmente a renovação compulsória do contrato de locação comercial pelo mesmo prazo de vigência da avença original, desde que atendidos os critérios legais pertinentes (art. 51 e seguintes da Lei 8.245/91). A referida decisão está assim resumida na respectiva ementa:

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"CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRETENSÃO DO LOCADOR DE VER REPETIDO O PRAZO DO CONTRATO ORIGINAL. IMPOSSIBILIDADE. PRAZO MÁXIMO DE PRORROGAÇÃO DE CINCO ANOS. RECURSO DESPROVIDO.

  1. Em sede de ação renovatória de locação comercial prevista no art. 51 da Lei 8.245/91, o prazo máximo de prorrogação contratual será de cinco (5) anos. Assim, ainda que o prazo da última avença supere o lapso temporal de cinco anos, a renovação compulsória não poderá excedê-lo, porquanto o quinquênio estabelecido em lei é o limite máximo.
  2. Recurso especial a que se nega provimento".¹

Interessante notar de plano que, segundo os dados que se podem extrair aprioristicamente do respectivo acórdão, o contrato de locação de estabelecimento localizado em shopping center da Capital gaúcha teria prazo original de 12 anos e 11 meses e se encerraria em outubro de 2011². Em todas as instâncias, inclusive no STJ, foi reconhecido o direito à renovação compulsória da locação, porém, limitado ao prazo máximo de cinco anos. Portanto, não foi adotado o prazo pretendido pela locatária - importante rede internacional de fast food, qual seja, de outro período de quase 13 anos.

A par da discussão de mérito com relevantes e contraditórios argumentos para ambos os lados, chama a atenção que, uma vez reconhecido tal direito em favor da locatária, a renovação do pacto locativo deveria se encerrar em outubro de 2016 (cinco anos após o término de vigência do contrato original). Ocorre que a referida decisão somente transitou em julgado (ou seja, se tornou definitiva e irrecorrível) no dia 20/06/2022, quando já tinham transcorridos quase seis anos a mais do que o prazo de renovação garantido pelo poder judiciário (5 anos). Em suma, a renovação deveria estender o prazo da locação até outubro de 2016, entretanto, como a disputa só se encerrou em junho do corrente ano, é provável que a locatária tenha permanecido todo este tempo no imóvel - mais de 10 anos do vencimento do contrato original em outubro de 2011, sem que, até o trânsito em julgado da referida decisão em junho de 2022, se soubesse ao certo qual prazo prevaleceria: se os 5 anos como defendido pela locadora ou os 12 anos e 11 meses sustentados pela locatária.

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Vale dizer que na prática a locatária pode ter permanecido no imóvel em questão por lapso temporal muito próximo à sua pretensão original de renovar a locação por 12 anos e 11 meses. Com efeito, a locatária já teria, em tese, logrado atingir mais de 10 anos de permanência no imóvel locado por conta, com a devida vênia, da demora no desfecho final do caso pela via judicial.

Este fenômeno de alcançar o resultado desejado não pelo julgamento final do mérito da causa, mas, isto sim, por externalidades, positivas ou negativas para uma ou outra parte, decorrentes de longa tramitação do processo (ajuizado em abril de 2011³), poderia ter sido antevisto e discutido em uma mediação anterior ao início do litígio.

Um mediador experiente na matéria poderia sinalizar tal prognóstico e provocar a discussão dos respectivos riscos contrapostos (forte probabilidade de limitação do prazo renovatório de cinco anos por conta da jurisprudência a respeito versus a probabilidade real de uma duração do feito muito superior a tal período) e usar essa abordagem para buscar um acerto amigável entre as partes, evitando custos com a tramitação de uma demanda desta natureza (custas judiciais, honorários periciais e advocatícios). Tal medida também poderia servir para cuidar melhor da inevitável e salutar convivência entre partes, sobretudo porque vinculadas a um contrato de longa duração e tipicamente sinalagmático.

Em síntese, a mediação com viés avaliativo poderia ter cumprido este papel, o que, provavelmente, a negociação direta entre as partes não logrou alcançar. Sempre podem existir dificuldades financeiras, emocionais e mesmo divergências de percepções de riscos que são inerentes ao nascedouro de toda e qualquer disputa e que dificultam o acordo. Em muitas situações, tais entraves podem ser mitigados pelo mediador, o que, em tese, poderia ter ocorrido neste caso em comento.

Mesmo com a limitação de escopo destacada em alguns trechos deste artigo, o precedente em questão serve para bem destacar o maior potencial de assertividade e eficiência do referido mecanismo de resolução consensual de disputas em comparação com o endereçamento da controvérsia ao Poder Judiciário dado o menor controle das partes quanto ao seu resultado e o tempo gasto para se chegar a uma decisão final a respeito.

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*Ricardo Dornelles Chaves Barcellos, sócio do escritório Silveiro Advogados, atua na área de Resolução de Disputas com ênfase nos Meios Autocompositivos. Graduado pela UFRGS, é mestre em Resolução de Disputas com ênfase em Mediação e Negociação (Straus Institute for Dispute Resolution, Pepperdine University) e especialista em Direito Empresarial (FGV). Integra a Comissão de Mediação e Justiça Restaurativa da OAB/RS e fundador do Instituto ADR Brasil. É coautor do livro Temas de Mediação e Arbitragem

¹ RESP no. 1.990.552.

² Se escreve este artigo na forma condicional, uma vez que evidentemente não detenho maiores detalhes fáticos e jurídicos do caso, ressalvados os dados retirados dos sítios dos respectivos órgãos judiciários envolvidos.

³ https://www.tjrs.jus.br/novo/busca/?return=proc&client=wp_index

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