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Outrora eixo, hoje centro

Por Igor Macedo de Lucena
Atualização:
Igor Macedo de Lucena. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Sob o ponto de vista histórico, as três principais nações inimigas do mundo livre durante o período da segunda guerra mundial foram a Itália fascista, a Alemanha nazista e o Japão imperialista; juntos, esses aliados foram conhecidos como as nações do Eixo.

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Apesar de notórias diferenças, o que unia essas nações era uma ideologia de extrema-direita centrada em importantes líderes, observando-se a exacerbação do Estado como centro das decisões em que ao mesmo tempo possuíam uma forte visão imperialista e dominadora de suas nações sobre as outras, julgando-as superiores e destinadas a dominar.

Como a história nos ensinou, o Eixo foi derrotado pelas nações aliadas com a participação da União Soviética, contudo, passados 70 anos, o mais importante agora é analisar o que aconteceu com a política e a economia dessas nações, que hoje são exemplos para outras nações no planeta.

Sob o ponto de vista político, há várias décadas essas nações são governadas por coalizões de centro-direita ou de centro-esquerda com uma considerada sensibilidade sobre a opinião pública, de modo que um sistema de rede social e de ajuda aos menos afortunados foi fortemente implementado ao longo de anos. Líderes centristas como Angela Merkel na Alemanha, Shinzo Abe no Japão e Giuseppe Conti na Itália vêm buscando criar sistemas de terceira via de desenvolvimento com foco na economia verde e nos acordos internacionais de comércio e de investimento.

É óbvio que o projeto da União Europeia foi importante para a consolidação democrática e para o crescimento da economia do continente, entretanto, ao lado da França, a Alemanha e a Itália são as principais economias do bloco e conjuntamente possuem votos e influência no parlamento europeu (251/705) suficientes para decidir os rumos e as decisões supranacionais de maior importância. A consolidação do Euro como moeda global também foi um importante 'impulso' para que a Alemanha e a Itália se consolidassem potências industriais e como economias estáveis, lembrando que no passado as duas nações sofreram graves problemas de inflações e crises econômicas.

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O Japão, após o boom de crescimento na década de 1970, e apesar de períodos de estagnação, se tornou umas das nações mais desenvolvidas sob o ponto de vista financeiro e tecnológico, tornando-se um exemplo de democracia liberal na Ásia e ao mesmo tempo mostrando como o capitalismo liberal pode funcionar fora do Atlântico. O Japão conseguiu internacionalizar sua moeda e, hoje, o Iene é uma reserva internacional de valor reconhecida internacionalmente e com influência comparável à Libra inglesa e o Franco suíço.

O setor financeiro japonês, apesar de restrito, é pujante e, segundo dados de abril de 2020, o Japão é o maior detentor de títulos da dívida norte-americana com cerca de 1,266 trilhões de dólares em títulos do US Treasury. Com uma expectativa de vida acima dos 85 anos e uma visão ainda bastante nacionalista, o país consegue resistir a influência crescente da China na região e busca expandir acordos com o Mercosul e com a União Europeia. O PIB per capita dos japoneses (39,2 mil dólares) ainda é bastante superior ao dos chineses (9,7 mil dólares) e ao dos sul coreanos (31,3 mil dólares), refletindo uma qualidade de vida invejável na região.

Como explicar essa mudança em tão pouco tempo? As principais nações derrotadas na Segunda Guerra Mundial se tornaram exemplos de desenvolvimento em pouco mais de 70 anos e, apesar de todos os problemas, passam atual e conjuntamente a decidir com antigos rivais os rumos da geopolítica e da economia global. Alguns fatores podem explicar isso, sendo o primeiro um investimento massivo em educação e tecnologia, aproveitando principalmente as empresas nacionais e as vocações de cada uma das nações. Após o fim da guerra, os novos governos democráticos elaboraram planos de desenvolvimento baseados no liberalismo econômico; entretanto, devido à forte concorrência externa das nações vencedoras, o Estado passou a intervir nos setores considerados estratégicos, seja como investidor ou como protetor de setores econômicos, mais especificamente na mineração, na siderurgia, em automóveis e no setor de tecnologia.

Essa relação foi capaz de gerar empresas com 'musculatura' financeira e competitiva o suficiente para oferecer produtos de qualidade não só no mercado interno, mas também para competir no exterior. Nesse caso, houve sim uma espécie de capitalismo de Estado temporário que logo depois se tornou um modelo de "Capitalismo com o Estado" e que, em parte, persiste em menor escala até hoje.

A integração internacional, por meio de acordos bilaterais de comércio, defesa do Estado de Direito e consolidação dos princípios democráticos também foi um elemento fundamental para a reinserção política dessas nações no mundo, e o Brasil, por possuir laços históricos com as três nações, foi um importante agente dessa reintrodução na América Latina.

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Outro ponto fundamental foi a rejeição quase que por completa de políticas que se mostrassem extremistas, sejam de direita ou de esquerda, em uma alusão a um passado que essas nações desejam deixar em uma 'outra página' da história. Neste sentido, a eleição de líderes e de partidos adquire proporções muito mais importantes. No Japão, a sucessão de Shinzo Abe por seu fiel aliado Yoshihide Suga mostra que o país deve adotar uma postura de continuidade das políticas implementadas nos últimos anos, principalmente em sua reaproximação com a China e com a Coreia do Sul.

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Já na Itália, o atual primeiro ministro Giuseppe Conte deve continuar no cargo por algum tempo, tendo em vista que é um político independente e que mesmo considerado populista conseguiu unir a direita e a esquerda em um governo estável. O caso mais emblemático será a sucessão de Angela Merkel (Chanceler da Alemanha), que está no cargo desde 2005 e atualmente é também, sob um ponto de vista não oficial, a líder política da Europa e a principal defensora do chamado "Mundo Livre". Vale salientar que ainda não há uma decisão final sobre seu sucessor, pois a crise da Covid-19 a forçou permanecer mais um ano à frente do cargo, que também fora ocupado por Gerhard Schröeder, entre 1998 e 2005, e Helmut Kohl, entre 1982 e 1998. Aguardemos, portanto, o desenrolar da história do mundo democrático.

*Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House - The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política

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