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Otimismo à vista, mas muito bem parcelado

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Por Sólon Caldas
Atualização:
Sólon Caldas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, no início deste mês, reacendeu o debate sobre uma das políticas mais importantes para o progresso do país, mas que está na lista das mais negligenciadas nos últimos anos: o acesso da população à educação superior, em especial das pessoas de baixa renda.

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Ao participar de audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o ministro anunciou que o governo está estudando uma nova proposta para o refinanciamento das dívidas dos estudantes atendidos pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e que não estão conseguindo honrar com o compromisso após a conclusão dos seus cursos superiores.

Certamente, a fala trouxe alívio para as centenas de milhares de estudantes que se encontram nessa situação e há tempos aguardam uma iniciativa governamental capaz de auxiliá-los de verdade, e não algo na linha do que foi oferecido em 2019, quando o estudante inadimplente era obrigado a arcar com uma parcela de entrada no valor de 10% da dívida ou de R$ 1 mil (o que tivesse maior valor) e a dividir o restante da dívida em parcelas superiores a R$ 200.

Em 2019, o país contava com cerca de 434 mil contratos do Fies com atrasos superiores a 90 dias. Já naquele momento, ainda pré-pandemia, a proposta nada animadora do governo federal atraiu pouco mais de mil interessados. Melhor dizendo, pouco mais de mil pessoas capazes de atender ao alto grau das exigências, pois é certo que a maior parte dos devedores do Fies não têm interesse em seguir com essa dívida.

O cenário, hoje, é certamente bem mais dramático. Levantamento realizado pela CNN Brasil no final do primeiro semestre de 2020 constatou que com poucos meses de pandemia o número de contratos com mais de 90 dias de atraso havia saltado para cerca de 790 mil, ou seja, um crescimento de 82%.

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No final de 2020, em uma nova tentativa, o governo anunciou outro programa de renegociação de débitos, mas novamente desconectado da realidade econômica do país, em especial do estudante que acabou a sua graduação em meio à maior crise do século. Redução de 100% dos encargos apenas para quem fizesse a quitação integral ainda em 2020 e de 40% a 25% para quem precisasse refinanciar a dívida em alguns anos.

Mas, então, o que esperar desta vez? A comparação feita pelo ministro em relação aos esforços empenhados pelo governo para encontrar soluções para as dívidas das empresas foi um bom indicativo de que, talvez, pela primeira vez, seja estruturada uma política realmente capaz de atender aos estudantes, já que o país tem um bom histórico de socorro às empresas e setores econômicos.

É importante garantir que peças estratégicas da engrenagem econômica não parem de funcionar, mas também é essencial criar uma base qualificada para que novos mecanismos surjam para substituir peças defasadas e, até mesmo, engrenagens ultrapassadas. E isso, como diversas outras nações já nos mostraram, não acontece sem um investimento forte e valorização da educação superior.

Em um país no qual 75% das matrículas de graduação estão nas instituições particulares, qualquer política de fortalecimento desse nível educacional que não contemple um efetivo e eficiente financiamento estudantil, associado a uma política de voucher, como também pontou o ministro na Câmara dos Deputados, nascerá fadada ao fracasso.

Precisamos de um financiamento estudantil que permita aos jovens das classes sociais menos favorecidas frequentarem um curso de nível superior, mas também precisamos que esse financiamento seja viável dentro da realidade econômica do país e, principalmente, dentro da realidade das pessoas que precisam dele para cursar uma graduação.

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Portanto, é hora, sim, de o governo repensar sua proposta de renegociação de dívida com os inadimplentes de modo a garantir que os recursos investidos retornem aos cofres públicos, conforme previsto pelo Fies, mas, sem que isso seja feito às custas do futuro de milhares de egressos que ainda buscam se firmar em um mercado de trabalho cada vez mais fechado e competitivo.

Contudo, também é hora de rever as bases das políticas e dos programas de acesso à educação superior no Brasil. Nossos índices são dramáticos e o fraco desempenho da nossa economia tem ligação direta com a baixa formação educacional da população brasileira. Parece que o Ministério da Economia está disposto a encontrar um denominador comum para esta equação. Que assim seja.

*Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)

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