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Os vestígios do passado para a compreensão do presente e como aprendizado para o futuro

Por Cleusa de Castro
Atualização:
Cleusa de Castro. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A preservação do patrimônio histórico atua, diretamente, no cuidado com a identidade histórica e cultural de uma sociedade, na medida em que promove o reconhecimento e a valorização de feitos históricos comuns e dotados de significados a determinados grupos sociais, com o objetivo de consagrar sua memória coletiva. Essa identidade, embasada pela memória, visa garantir a transmissão de informações do passado contidas em vestígios históricos existentes nos lugares ocupados por determinadas comunidades. A preservação desses vestígios confere veracidade à história, ao resgatar um fato do passado para a sua compreensão no presente e sua apreensão no futuro.

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Os edifícios construídos por gerações distantes do tempo presente constituem o patrimônio histórico mais democrático a ser herdado por uma comunidade. A arquitetura antiga se apresenta aos cidadãos contemporâneos como um legado que tem que dividir o espaço e o tempo presentes. Sua presença junto aos lugares do cotidiano afirma o continuum do tempo e fortalece a ideia de pertencimento daquela comunidade àquele lugar.

Pensar na persistência de lugares e de estruturas edificadas através do tempo induz à reflexão da importância dessas edificações que atravessaram transformações ocorridas na sociedade. A elas foram atribuídos novos valores referenciais que as vinculam ao lugar e às relações com as edificações novas que se somaram à paisagem. Assim, a relação dos edifícios históricos com o tempo carrega de significado a existência humana.

Trabalhar com a preservação de patrimônio histórico é, antes de tudo, trabalhar com as questões de memória, de mudança e de tempo. O reconhecimento do que é patrimônio e do que deve ser resgatado do passado para persistir no presente e no futuro constitui o primeiro ato da preservação. É neste reconhecimento que se insere a essência da mudança, que deve ocorrer sobre determinados paradigmas, variáveis de acordo com cada cultura. A narrativa histórica é reescrita a partir da definição do que deve ficar e do que deve desaparecer no conjunto dos feitos humanos.

A ação de preservar com a intenção de resgatar uma edificação de seu processo de arruinamento e consequente desaparecimento requer discernimento e conhecimento técnico. Os profissionais que atuam no sentido da preservação do patrimônio são responsáveis por garantir às novas gerações a pertinência do passado como elo de ligação com os tempos presente e futuro. Um profissional despreparado pode vir a corromper o significado latente em cada fragmento desse legado e alterar a compreensão das mensagens a serem transmitidas pela permanência do bem cultural naquele tempo e naquele lugar. Uma formação especializada aos profissionais envolvidos nesse processo deve respeitar a preservação e o resgate da autenticidade do bem histórico a fim de que a mensagem histórica seja transmitida fidedignamente.

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A permanência das edificações históricas na paisagem funciona como uma costura urbana entre passado e presente. Essas edificações, entretanto, não devem existir apenas como objetos museificados dentro da cidade, desprovidos da função primeira de uma obra arquitetônica, que é servir de abrigo para determinadas funções. Quanto às possibilidades de preservação desses antigos edifícios, a observação aponta para a legitimidade que iniciativas como a reciclagem e reutilização desses imóveis têm.

Desse entendimento, resulta a afirmação de que a ação de preservação da herança cultural de um povo deve ser responsabilidade de diversos agentes envolvidos, compreendendo desde a população que ajuda a elencar os bens a serem protegidos, o Poder Público que regulamenta e garante essa proteção até o corpo técnico formado por diversos profissionais, como historiadores, arquitetos, engenheiros, arqueólogos, profissionais da construção civil, restauradores, entre muitos outros.

Há, ainda, o argumento de que a preservação contribui para a redução do impacto que a construção civil acarreta sobre o meio ambiente, por acomodar novos usos em espaços que já foram construídos e, portanto, não demandam muitos novos materiais e nova extração de tais materiais da natureza. A preservação dos lugares de memória de um povo é um direito de todos, e é praticada no mundo como ato cultural no reforço a distintas identidades.

*Cleusa de Castro é arquiteta e coordenadora da Especialização em Arquitetura e Restauração de Patrimônio Histórico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

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