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Os supersalários do setor público diante da pandemia: um debate necessário

Por Álvaro Alves de Moura Jr.
Atualização:
Álvaro Alves de Moura Jr. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A falta de alternativa à paralisação das atividades econômicas, em decorrência da necessidade de isolamento social causada pela pandemia da covid-19, está trazendo um grande desafio aos gestores públicos em todos os níveis de governo, uma vez que ao mesmo tempo que precisam ampliar os gastos governamentais, veem as suas receitas tributárias despencarem, o que levará a uma deterioração ainda maior das contas e do endividamento público.

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Diante dessa realidade, cabe lembrar que a União, os estados (incluindo do Distrito Federal) e municípios propiciam uma série de privilégios aos mais variados grupos do funcionalismo público, algo que é recorrente tanto no executivo como no legislativo e no judiciário, além do Ministério Público. É comum encontrar nos portais de transparência rendimentos que superam, em muito, o teto constitucional de R$39.293. Ademais, muitas vezes são acumulados mais de um rendimento oriundo dos cofres públicos, que permitem, por exemplo, aposentadorias que foram obtidas no exercício de vários cargos em diferentes poderes.

Sempre que tratamos dessas questões, revela-se discrepante a realidade do setor público em relação às condições da maioria da população brasileira. Como bem sabemos, o Brasil é um País com os piores níveis de distribuição de renda do mundo, em que os cinco homens mais ricos têm uma riqueza equivalente à metade da população mais pobre. Onde, segundo o IBGE, 25,3% da população estava abaixo da linha de pobreza em 2018, (US$1,9 por dia de acordo com o Banco Mundial), o que corresponde a 52,5 milhões de pessoas, das quais 13,5 milhões viviam numa condição de extrema pobreza. E nem precisamos fazer um exercício muito complexo de projeções para saber que a atual crise vai agravar drasticamente essa triste realidade.

Vale lembrar, ainda, que em 2019 o rendimento médio mensal real dos trabalhadores foi de R$ 2.308, enquanto o valor médio dos benefícios pagos pelo INSS aos trabalhadores urbanos foi de R$ 1.286 e aos rurais R$896.

Essa é uma realidade que todos já conhecemos há tempos, mas que certamente deveria ser objeto de muita discussão neste momento, tanto porque tem evidenciado o quanto a desigualdade tem potencializado o problema da pandemia quanto pelo fato de que o Brasil precisa de recursos para arcar com o combate à pandemia.

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Diante desse cenário, algumas questões precisam ser ponderadas para atender a essas necessidades tão prementes. Dentre tantas, destaca-se a necessidade de se pensar os impactos dos supersalários pagos pelo setor público, que em muitos casos superam o teto constitucional.

Não obstante a justiça já ter admitido o recebimento de remunerações no setor público (nos três poderes e no MP) maior que o teto estabelecido pela Constituição Federal, tais privilégios saltam aos olhos sobretudo num momento de crise aguda como esta que o País está e deverá viver por um tempo ainda indeterminado.

Um exemplo dessa realidade se refere aos salários dos magistrados, cuja decisão recente do STF garantiu a manutenção do pagamento de supersalários para uma parte da categoria, por considerar que certas verbas recebidas não devam ser computadas para efeito do cumprimento desse teto.

Cabe ressaltar que a avaliação dos salários dos magistrados não tem o objetivo de desqualificar ou de diminuir a importância do poder judiciário, muito pelo contrário, pois a justiça é considerada essencial para a garantia do Estado Democrático de Direito, sem o qual não se atinge um elevado grau de desenvolvimento socioeconômico. Ademais, destaca-se o fato de que o CNJ é um dos órgãos públicos que disponibiliza da forma mais organizada e transparente os salários de seus servidores.

No geral, o salário base dos magistrados, está dentro do teto constitucional, mas quando os demais itens da folha de pagamento (direitos pessoais, indenizações, direitos eventuais e diárias) são acrescidos, encontramos remunerações que superam em muito o limite constitucional.

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De acordo com as estatísticas realizadas a partir dos dados do portal, foi possível se encontrar em um determinado mês de 2019 um magistrado que recebeu um rendimento bruto de R$ 1.,3 milhão, o que significa uma remuneração trinta e três vezes superior ao teto constitucional. Algumas dessas remunerações milionárias podem ter sido cassadas pelo CNJ, mas a presente análise foi realizada com base nas próprias informações disponibilizadas pelo Conselho.

No geral, o rendimento bruto médio dos magistrados em 2019 foi de R$47.149,48, valor 20% acima do limite legal, e 1.943% maior que o rendimento médio do trabalhador brasileiro de R$2308. Chama a atenção, ainda, o fato de que 55,3% dos rendimentos mensais pagos aos magistrados ficaram acima do teto, com um número expressivo de supersalários mensais pagos, dado que 42% dos magistrados receberam entre R$50 mil e R$150 mil por mês, conforme mostra o gráfico a seguir.

 

Observações: 1) Foram considerados para o cálculo do rendimento bruto: o subsídio, os direitos pessoais, as indenizações e os direitos eventuais; 2) Foram considerados os tribunais estaduais, federais e superiores; 3) Alguns tribunais tiveram os seus valores estimados para o ano de 2019, uma vez que não disponibilizaram as informações de todos os meses de 2019.

Diante desse contexto, foram realizadas projeções que apontam que a massa salarial paga pelo poder judiciário aos magistrados excedeu em R$2,5 bilhões o total de rendimento bruto que se teria com o pagamento de salários dentro do limite constitucional. Há diferenças expressivas de tribunal para tribunal, inclusive com alguns cuja projeção identificou que o montante de salário pago durante abaixo do limite legal, enquanto outro superou em 50% essa diferença.

Portanto, o problema dos supersalários precisa ser discutido, levando-se em consideração todos os poderes e o Ministério Público, sobretudo agora que precisamos de recursos para enfrentar os enormes impactos econômicos e sociais da pandemia, o que também pode representar, infelizmente pelo momento, uma boa oportunidade para o reforçar o debate de como essas distorções, dentre tantas outras, contribuem para a desigualdade no Brasil.

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*Álvaro Alves de Moura Jr., professor doutor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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