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Os personagens Pink ou Cérebro e os planos do governo para mineração

Por Caiubi Emanuel Souza Kuhn
Atualização:
Caiubi Emanuel Souza Kuhn. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O leitor deve se lembrar dos personagens Pink e Cérebro que, no desenho, diariamente faziam planos sem fundamento para tentar dominar o mundo. Ao ler o Programa Mineração e Desenvolvimento-PMD, publicado pelo Governo Federal, fiquei com a impressão de que os personagens ganharam vida, e ministérios.  O programa integra 10 planos e 110 metas para cumprimento no período 2020/23, e objetiva o crescimento quantitativo e qualitativo da mineração.

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Apesar do número elevado de metas, não existe no documento indicação das fontes orçamentárias, valores que serão aplicados, quem irá executar tais funções e quais serão os indicadores para avaliar o cumprimento de cada item, ou seja, o programa do governo é apenas uma lista de desejo. Tomara que pelo menos, tenham enviado a lista para o Papei Noel, quem sabe o bom velhinho traga no saco de Natal algumas destas metas.

O setor mineral contribui com cerca 2,4% do PIB do Brasil, porém pode alcançar uma participação ainda maior se as medidas adequadas forem tomadas para assegurar os investimentos necessários em órgãos fundamentais como o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Agência Nacional de Mineração (ANM) e Centro de Tecnologia Mineral (CTEM).

Dinheiro existe, somente com a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), em 2020, foram arrecadados mais de 6 bilhões, deste total, 12% ficaram para união, 23% para os estados e 65% para os municípios. Ou seja, o Governo Federal recebeu apenas desta compensação um valor superior a 720 milhões. Esse recurso deveria ser usado para estruturar a ANM, ampliar o conhecimento sobre a geologia da país por meio de pesquisa da CPRM e avançar em relação as tecnologias minerais, com o fortalecimento do CTEM.

Mas mesmo após a tragédia que ocorreu em Brumadinho, que completou 2 anos no último 25/01, não foram tomadas medidas essenciais para reestruturação da agência responsável pela fiscalização do setor, como por exemplo, a contratação de pessoal para realizar a fiscalização de barragens e a análise de processos. Recentemente foi publicado um edital para contratação de pessoal provisório, porém, o setor mineral precisa de medidas definitivas. O último concurso da ANM ocorreu em 2010, e desde então o número de funcionários apenas reduziu. Para o leitor ter uma ideia da dimensão do problema, o número de fiscais responsáveis por analisar as barragens é menor que o número de assessores de apenas um parlamentar no congresso nacional. A realização de um concurso amplo para os diversos setores da agência é uma necessidade urgente do país.

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Da mesma forma, a CPRM, que possui um papel fundamental no país para avançar no conhecimento geológico, geotécnico, análise de áreas de risco entre muitas outras funções, também já está há muitos anos sem concursos e carece de ampliação de recursos para continuar os trabalhos de pesquisa, que são fundamentais para prefeituras, estados, universidades e empreendedores. Uma informação detalhada sobre o meio físico, contribui para boa aplicação de recursos e fomenta o desenvolvimento social e econômico, além de contribuir para preservação ambiental.

O governo federal precisa tratar com seriedade o setor mineral e realizar com celeridade as medidas de gestão necessárias. Precisamos sim de um programa, mas que seja algo fundamentado, com previsão orçamentária, com estruturação dos órgãos, com metas e indicadores claros. Somente no mundo encantado que os problemas se resolvem com mágica. No mundo real, é preciso muito trabalho, organização e seriedade. As políticas públicas não podem ser feitas de forma amadoras, se não o custo para sociedade é alto.

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Em 1969, quando foi descoberta no mar do Norte, na Noruega, uma grande reserva de petróleo, uma das primeiras medidas realizadas foi a criação de uma estatal para explorar este importante recurso natural. Os lucros obtidos com esse recurso natural foram importantes para que o país hoje tenha o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.  Enquanto isso, no Brasil, entre 1973 e 1979 os feitos da crise do petróleo afetaram o desenvolvimento nacional, uma vez que o país importava cerca de 70% do petróleo consumido.

A Petrobras foi criada em 1953, pelo Governo Getúlio Vargas, porém descobrir petróleo no Brasil não foi uma tarefa fácil. As grandes reservas nacionais foram descobertas nas rochas que estão embaixo do mar, como é o caso da famosa Bacia de Campos e, mais recentemente, no pré-sal, que são rochas que estão muito abaixo do fundo do oceano. Explorar o petróleo nestes locais exigiu da Petrobras o desenvolvimento de novas tecnologias, e a empresa conseguiu realizar a função com brilhantismo.

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Há mais de uma década, o Brasil possui autonomia na produção de petróleo, ou seja, nossa produção de petróleo é superior ao consumo. Desde a descoberta do pré-sal a realidade do país no setor mudou de forma radical, no ano de 2006 o país produzia em média 1,72 milhões de barris por dia, deste total exportava 0,36 milhões e importava 0,37 milhões. Em 2020, até o mês de julho, a média diária de produção foi de 3,01 milhões de barris, deste total 1,44 milhões foi exportado, enquanto o Brasil importou 0,17 milhões de barris. Porém, ninguém usa petróleo no carro, usamos derivados e aí que começa o problema.

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Hoje vendemos o petróleo para outros países e importamos combustíveis. E fazemos isso em dólar, ou seja, se o dólar está alto, o combustível chega até as bombas de combustível em valor elevado. Isso ocorre porque país ainda não possui refinarias suficientes para processar todo o petróleo nacional, e essa devia ser uma preocupação da Petrobras e do governo. Mas por quê? Temos sim outras empresas atuando no país desde a década de 90 quando acabou o monopólio do petróleo e gás, mas as empresas em geral possuem em seus países de origem refinarias com capacidade para refinar o petróleo extraído em águas brasileiras. E se possuem estruturas de refinos em outros locais do mundo, logico que não irão construir refinarias no Brasil.

Por outro lado, o governo e a Petrobras adotaram uma política de desinvestimento da empresa, ou seja, estão vendendo a preço de banana campos de petróleo e estruturas da empresa. Enquanto isso, a previsão é entregar nos próximos 5 anos 35 bilhões de dólares (mais de 192 bilhões de reais) em dividendo aos acionistas. Esses dois fatos deixam claros os objetivos da companhia e do governo. Não é garantir a autonomia em refino e com ela a possibilidade de poder vender para você combustível sem que se tenha os efeitos diretos da flutuação do dólar.

Refinar o petróleo no Brasil significa também gerar empregos no país, mas parece que essa não é a prioridade de um país com mais de 14,3% de desempregados. Se não bastasse perdermos esses empregos, nos últimos anos reduziram as exigências de conteúdo nacional na produção de petróleo. Esse conteúdo era um mínimo de serviços e atividades que as empresas que exploram petróleo no país deveriam realizar no país. Após as mudanças, como já era esperado, muitas empresas transferiram as atividades para os países de origem. Mais uma vez perdemos empregos, impostos e desenvolvimento.

Além de tudo isso, em 2017, o governo por meio de medida provisória, que posteriormente foi aprovada pelo congresso, realizou uma desoneração de impostos, que significa uma perda de arrecadação de mais de 1 trilhão ao longo de 25 anos. Esses dados mostram que após a descoberta do pré-sal seguimos o caminho oposto a Noruega, estamos entregando quase de graça o petróleo existente no território nacional, enquanto isso nossa política atual leva a perda de empregos e desenvolvimento. Enquanto isso, eu e você pagamos caro nas bombas de combustível para garantir o lucro de algumas grandes companhias internacionais. Lógico, também contribui para o valor elevado do combustível os impostos que, no Brasil, são concentrados no consumo, quando por exemplo, os cerca 192 bilhões de reais que serão distribuídos em lucros pela Petrobras nos próximos anos, não pagarão um centavo de imposto.

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*Caiubi Emanuel Souza Kuhn, docente do Instituto de Engenharia, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutorando em Geociências e Meio Ambiente, Universidade Estadual Paulista (Unesp)

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