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Os nós linguísticos do setor elétrico

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Por Carlota Aquino e Anton Schwyter
Atualização:
Carlota Aquino e Anton Schwyter. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A lábia dos segmentos de energia solar e carvão mineral conseguiu convencer Brasília a manter subsídios que não se justificam em termos técnicos, econômicos ou ambientais. Sob a justificativa de aparentes benefícios sociais, os esforços da fonte fóssil seguem na direção de dar perenidade a uma indústria globalmente fadada à extinção, principalmente por seu impacto nas mudanças climáticas. No caso da energia solar, principal fonte usada nos projetos de micro e minigeração distribuída no país, seguiremos por várias décadas transferindo renda de famílias menos abastadas, com algumas exceções, aos consumidores que têm condições de adotar esse tipo de sistema. As conquistas desses segmentos exigem atenção redobrada particularmente quanto à modernização do setor elétrico: o nome sofisticado não pode ser sequestrado por representantes de setores econômicos interessados na manutenção ou ampliação de privilégios descabidos que justamente tal processo precisa eliminar.

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É inegável a importância da energia solar para a redução das emissões de carbono da geração de energia no mundo inteiro. Nesse cenário, alguns interlocutores se mostraram surpresos com a nossa atuação, nos últimos meses, em defesa do fim do subsídio à geração distribuída pago pelos consumidores: como podemos ser contra a alternativa energética que estaria reduzindo custos e impactos ambientais no setor elétrico brasileiro?

Nunca fomos contra a energia solar, muito pelo contrário. O problema é que o crescimento exponencial da fonte - inicialmente viabilizado pelas regras definidas há dez anos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pelo barateamento dos sistemas, e agora fortalecido pela sanção da Lei 14.300/2022 - está se dando à custa daqueles consumidores que não têm condições de adotá-la. Para se ter uma ideia, simulações realizadas pelo corpo técnico do próprio regulador demonstraram que o subsídio cruzado nos moldes das regras de 2012 poderia somar R$ 55 bilhões entre 2020 e 2035, montante que deixaria de ser pago pelos adotantes dos painéis e seria repassado à maioria dos demais consumidores brasileiros. E, apesar das mudanças nas regras da geração distribuída, parte desse subsídio cruzado se mantém.

Como mostrou pesquisa realizada por nossa equipe considerando os projetos instalados até novembro de 2020 em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, os painéis haviam sido instalados principalmente nas regiões mais ricas dessas cidades. Tal discrepância é reforçada no caso dos projetos empresariais. Resultado? O subsídio contribui para o encarecimento das tarifas de energia elétrica, comprometendo inclusive outras despesas relevantes das famílias.

O fato é que os benefícios da energia solar poderiam ser obtidos de maneira mais equitativa, econômica e eficiente por toda a sociedade por meio da compra da energia via leilões organizados pelo governo.

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Quanto ao carvão mineral nacional, a prorrogação, até 2040, do subsídio à geração de energia da fonte no estado de Santa Catarina é apenas uma das facetas de um projeto que coloca o Brasil na contramão do esforço global contra as mudanças climáticas, com o agravante de que, por aqui, não há sequer a justificativa do baixo custo da fonte: o subsídio pago pelos consumidores para custear usinas a carvão mineral no Sul do país, que tem crescido e pode atingir R$ 907 milhões neste ano, é necessário justamente porque sem ele a combinação de usinas ineficientes e combustível de péssima qualidade não se sustenta.

Por trás dessa vitória do atraso está, além de uma articulação política extremamente ágil que não deu espaço para o assunto ser minimamente debatido, o fato de que o segmento de carvão mineral tem se colocado em defesa de uma transição energética "justa" para o setor, alegando que é preciso manter a atividade pelos empregos e impostos por ele gerados. Seria apenas necessário tempo e investimentos para que se viabilize a implantação de tecnologias de captura do carbono gerado pelas usinas, uma falácia cuja viabilidade econômica está muito aquém da já comprovada pelas fontes renováveis. O setor de energia solar, por sua vez, desenvolveu uma rica campanha de relações públicas fundamentada no conceito da taxação ao sol.

Ora, os resultados são justamente o contrário do que sugerem os discursos! Na energia solar, tivemos a prorrogação, até 2045, de uma tarifação da população sem condições de adotar a geração distribuída que seguirá pagando pela energia solar daqueles que podem instalar os próprios painéis, afetando principalmente as camadas menos abastadas da população. No carvão, por sua vez, a única transição justa possível seria o aproveitamento do subsídio em vigor para efetivamente colocá-la em prática, por meio do descomissionamento, nos próximos anos, das usinas que funcionam com a fonte e o direcionamento dos recursos para o desenvolvimento de novas atividades econômicas que propiciem um real desenvolvimento sustentável das populações hoje ocupadas nessa indústria. Sem isso, em 2040 o mesmo discurso do segmento seguirá dando sobrevida à fonte.

Reviravoltas linguísticas desse tipo não são novidades nas atividades de interferência política em todos os setores da economia. Mas a gravidade dos resultados desses episódios exige que sigamos ainda mais vigilantes para evitar que subsídios caros e desnecessários continuem sendo praticados no país. Isso exige um esforço da sociedade como um todo para garantir que os benefícios da modernização do setor elétrico - que combina livre escolha dos fornecedores por parte dos consumidores com aumento da eficiência e redução de custos para todos - não seja capitaneado por agentes que seguem buscando brechas para dar sobrevida ao que há de mais retrógrado no setor elétrico brasileiro. De nossa parte, seguiremos vigilantes para, mesmo com as pressões contrárias e as dificuldades de incidência junto ao Congresso Nacional agravadas pela pandemia, brigar pelos interesses dos consumidores de modo a pelo menos limitar seus prejuízos financeiros e ambientais.

*Carlota Aquino é diretora executiva e Anton Schwyter é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

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