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Os impactos do isolamento social no regime de convivência entre pais e filhos

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Por Maria Alice Vega Deucher e Alexander Beltrão
Atualização:
Maria Alice Vega Deucher e Alexander Beltrão. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Direito das Famílias é, sem dúvida, o mais sensível dos ramos do Direito Civil, e que tem como um de seus escopos regular a autoridade parental e todas as relações dela decorrentes, dentre elas, a guarda das crianças e adolescentes.

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Pais de filhos separados estão sujeitos ao regime de guarda, que pode ser compartilhada ou unilateral. Em qualquer dos casos, o filho menor tem o direito de visitação ou de convivência com o genitor com o qual não reside, de acordo com o que for estabelecido por acordo entre as partes ou pelo Judiciário.

Comumente as questões relacionadas ao regime de convivência trazem discussões e impasses infindáveis, gerando incertezas e insatisfações para os genitores, seja por aquele com quem reside o menor, seja pelo outro.

O horário de retirada ou de entrega do menor, a irredutibilidade diante da possível troca das datas preestabelecidas, a discordância em relação a autorização para viagens, são algumas das razões que sempre levam a conflitos nesta seara.

Conflitos que no mais das vezes têm como pano de fundo sentimentos mal resolvidos e mágoas passadas e que, já não fazendo mais parte da vida daquele casal, voltam a ganhar vida através da convivência com os filhos.

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E, se falta bom senso no dia a dia dos casais que vivem essa realidade, não seria diferente no cenário atual, em que o quadro gerado pela pandemia impôs isolamento social a todos, suspendendo as aulas físicas nas escolas de todo o país, bem como as atividades extracurriculares das crianças e adolescentes.

Diante deste cenário, o ideal seria que os genitores dialogassem para encontrar a melhor solução para o caso. Mas, quem milita nessa área do Direito, ou quem vive essa realidade, sabe que na prática isto raramente acontece.

A consequência que se viu, então, foi um sem número de ações transferindo ao Poder Judiciário o ônus de decidir as questões que o ex-casal, sozinho, não consegue resolver.

Desde que foi determinado o isolamento social, muitas demandas já foram propostas seja para suspender as visitas, seja para retirar, à força, crianças do genitor com quem estão, por meio de busca e apreensão.

Analisando as decisões proferidas em várias destas ações, nota-se que os juízes e tribunais do país optaram, logo de início, pela imediata suspensão das visitas durante a quarentena, como forma de proteger os menores, assim como os demais que vivem em seu entorno, da contaminação pelo coronavírus.

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Embora o isolamento social não seja obrigatório, as primeiras decisões proferidas nestas ações consideraram que o melhor para as crianças seria permanecer em suas casas, evitando o risco de contágio a que ficariam expostas com as idas e vindas frequentes entre uma residência e outra. De acordo com as decisões, a exposição ao vírus seria totalmente desnecessária diante deste quadro.

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Como o que se pretende garantir, por meio destas demandas, é a proteção integral no melhor interesse do menor, de cara o entendimento adotado foi no sentido de que o isolamento da criança seria melhor para evitar qualquer tipo de contágio.

Mas, com o passar do tempo, os mesmos juízes e tribunais foram alterando seu entendimento, por duas razões principais: a criança não é o foco principal do coronavírus, sendo raramente atingida por ele; e, além disso, a falta de convivência com um dos seus genitores pode ser muito prejudicial para o menor.

A partir deste entendimento, os julgados foram modificados radicalmente, assegurando, mesmo durante a quarentena, a convivência do menor com ambos os genitores, desde que com total respeito às normas de higiene e prevenção recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

É claro que há casos que foram excepcionados, mas desde que haja razão suficiente para isto. Quando, por exemplo, a criança faça parte do grupo de risco para o coronavírus, ou alguém muito próximo a ela ou da sua convivência diária faça parte desse mesmo grupo, não se pode permitir a convivência, sob pena de colocar em risco a saúde do menor ou daqueles em seu entorno. Da mesma forma, se a figura parental, por exemplo, for da área da saúde e estiver frequentemente em hospitais onde haja pacientes infectados pelo coronavírus, não se deve autorizar o contato, a fim de salvaguardar a integridade física do menor. Neste caso, assim como em outros onde o risco de contaminação seja muito alto, as determinações impostas pelo regime de convivência devem ser suspensas temporariamente.

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É importante que, durante o período de suspensão, seja respeitado o direito de comunicação do genitor que está privado da companhia do menor. Assim, o genitor que estiver com a criança ou adolescente, terá o dever de propiciar a convivência por meio de plataformas digitais, tais como Whatsapp, Facetime e Zoom, tanto quanto possível, a fim de que a falta de convívio físico não atrapalhe a relação parental.

Por outro lado, há casos em que o pedido de suspensão da convivência decorre de puro egoísmo e falta de bom senso da parte que está com a criança ou com o adolescente. E, neste caso, é claro que a Justiça não pode e não endossará a pretensão.

Proibir a convivência do infante com o genitor do qual o menor está afastado, ainda que momentaneamente, pode, aos olhos do Judiciário, caracterizar alienação parental, cujas consequências são previstas em lei, sendo a mais grave delas a perda da guarda.

Portanto, antes de pedir a suspensão das visitas, deve o genitor que está com a guarda da criança ou do adolescente, avaliar quais os impactos que este pedido terá para o desenvolvimento do menor, e quais as reais consequências que esta sua atitude podem ter. Decisões irrefletidas e tomadas por impulso, podem trazer consequências indesejadas e imprevisíveis, com as quais todos terão que lidar por muito tempo ainda após o final da pandemia. Porque a quarentena terminará, mas os efeitos da falta de convivência e as consequências da alienação parental poderão deixar marcar por toda uma vida.

*Maria Alice Vega Deucher e Alexander Beltrão, sócios do escritório Moreau Valverde Advogados

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