Apesar dos ajustes feitos pelos senadores, o texto final da minirreforma eleitoral (PL 5029/19) aprovado pela Câmara retomou pontos equivocados que, se não forem vetados pelo presidente da República, poderão prejudicar as investigações criminais e, sobretudo, reduzir as possibilidades de elucidação e comprovação material de crimes eleitorais, como o caixa 2 e a compra de votos.
Ao longo da última década, sobretudo durante a Operação Lava Jato, os peritos criminais federais conseguiram desvendar, de forma técnica e isenta, como determina a lei, inúmeras formas de desvio de dinheiro de campanha. Estruturas criminosas extremamente poderosas e sofisticadas foram descobertas e descartadas graças a esse trabalho técnico-científico rigoroso.
Preservar os avanços obtidos nos últimos anos na área de combate ao crime dependerá, agora, de o presidente Jair Bolsonaro vetar alguns pontos da minirreforma eleitoral que impõem barreiras à persecução penal e que contrariam os anseios da sociedade por uma política pautada pela ética e pela legalidade.
Um desses pontos que precisam ser vetados é o que prolonga o prazo para quitação de multas eleitorais e muda o momento de avaliação das candidaturas, que deixa de ocorrer na fase do registro para acontecer até a data da posse. Na prática, isso permitirá a eleição e a posse de "fichas-sujas".
Também são absurdas as autorizações para os partidos usarem dinheiro do fundo eleitoral, que é abastecido com verba pública, para pagarem as multas eleitorais, as despesas com compra e locação de bens móveis e imóveis e os serviços de contadores e advogados.
A absoluta falta de freios técnicos no texto tanto facilita a ocultação da prática de caixa 2 como dificulta, para os candidatos sérios que repudiam essa prática, a comprovação de que nenhuma irregularidade ocorreu na campanha. O que o texto da minirreforma faz é facilitar o uso do dinheiro público para a aquisição de bens particulares, usando laranjas, por valores superfaturados, sem que se corra risco iminente de sofrer quaisquer tipos de sanções.
Por essas razões, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) considera que o texto remetido à sanção presidencial é um retrocesso nas políticas de transparência, fiscalização e prestação de contas à sociedade. É preciso que o presidente da República vete os artigos que fragilizam o controle social do dinheiro público.
*Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)