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Os efeitos da pandemia de covid-19 nos contratos públicos e os direitos dos contratados

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Por Angélica Petian
Atualização:
Angélica Petian. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os contratos públicos celebrados pela Administração para contratação de serviços diversos, aquisição de bens ou, ainda, para realização de obras ou execução de serviços de engenharia podem ser fortemente impactados pela pandemia de covid-19, que ensejou a edição da Lei federal n.º 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

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Tanto os contratos administrativos por escopo, a exemplo daqueles que têm por objeto a execução de obras, como aqueles por prazo, como são os destinados à manutenção predial, podem ser negativamente influenciados, fazendo com que as obrigações das partes não sejam fielmente cumpridas, tal como inicialmente pactuadas.

A excepcionalidade trazida pela pandemia, que tem gerado a suspensão de dadas atividades, impactando diretamente na livre circulação de pessoas e mercadorias entre países, pode acarretar o descumprimento involuntário de obrigações contratuais o que geraria, em situações de normalidade, a caracterização de infração administrativa a ensejar a abertura de processo administrativo sancionador, seguido de possível aplicação de sanção contratual, fundamentada na inexecução do ajuste, tal como prescrito pelo art. 87 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.

No entanto, para momentos de anomalia, com a que presenciamos agora, o ordenamento jurídico estabelece comando especiais, que flexibilizam a aplicação de regras legais e contratuais, permitindo que o antes pactuado seja adaptado à nova situação. E assim o faz porque embora o direito prescreva condutas para regular o comportamento, ele não tem aptidão para interferir na realidade do mundo, impedindo a ocorrência dos fatos, por isso ele deve criar mecanismos para que os negócios jurídicos sejam adaptáveis à dinâmica da vida social.

Em se tratando de contratos públicos, a Lei nº 8.666/93, independentemente da prescrição contratual, estabelece alguns mecanismos que poderão ser utilizados pelos contratados para endereçar o cumprimento das obrigações sem que reste configura a inexecução parcial do ajuste.

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Sobre o cumprimento das obrigações nos prazos inicialmente pactuados, a Lei admite a prorrogação dos prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega diante da superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato(art. 57, § 1º, II).

Para que a prorrogação do prazo seja possível e não acarrete a imposição de penalidades ao contratado, ele deverá comunicar o fato à Administração contratante e demonstrar o nexo causal entre a pandemia e a impossibilidade de cumprimento de sua obrigação no prazo inicialmente estabelecido, requerendo a dilação pelo período necessário para o cumprimento do dever ou, em caso de impossibilidade, a suspensão da execução contratual, até a normalização da situação.

A sustação do contrato terá cabimento quando a pandemia impedir o cumprimento das obrigações principais, que afetem diretamente a execução material do ajuste. Nesse caso, quando da normalização da situação o cronograma de execução será prorrogado automaticamente, pelo mesmo período da paralisação, conforme preceitua o art. 79, § 5º da Lei n.º 8.666/93.

Os efeitos da pandemia também poderão ensejar, desde que demonstrado o liame jurídico, a não caracterização de uma falta contratual como infração administrativa e, logo, impedir a aplicação de sanção. Isso porque o pressuposto da sanção é a infração que só deve ser reconhecida quando a inexecução seja injustificada. A infração não é caracterizada pela mera inexecução, mas imprescindível que o não cumprimento da obrigação contratual seja oriunda de culpa ou dolo do contratado, elementos inexistentes no caso de pandemia.

Ao tratar da multa de mora, o art. 86 da Lei nº 8.666/93 prescreve seu cabimento diante do atraso injustificado na execução do contrato, levando à conclusão de que se houver justificativa para o atraso, mediante a demonstração de que o não cumprimento da obrigação se deu por fato alheio ao contratado, por ele não gerenciável, como é o caso das medidas adotadas em razão da epidemia de covid-19, a sanção não deverá ser aplicada.

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A interpretação dos diversos dispositivos da Lei n.º 8.666/93 levam à conclusão de que a contaminação em massa causada pelo coronavírus se caracteriza como fato extraordinário, imprevisível e alheio à vontade dos contratantes, a ensejar a excludente da responsabilidade, tal como previsto pelo art. 393 do Código Civil.

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Por fim, se o comprometimento da execução do contrato for tamanho que impeça sua recuperação, é possível que as partes decidam, amigavelmente, pela rescisão do contrato, com fundamento no art. 78, XVII, da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, que prescreve como causa da interrupção prematura do ajuste a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da sua execução.

Nessa hipótese, em que a rescisão se dá sem que haja culpa do contratado, a lei lhe garante o ressarcimento dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito à devolução de garantia, pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e pagamento do custo da desmobilização.

O enfrentamento de qualquer dessas hipóteses, oriundas do momento crítico da saúde pública mundial, poderá ensejar a alteração do contrato administrativo para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro na situação em que o contratado for indevidamente onerado em razão da ocorrência de fatos imprevisíveis, como são os eventos de força maior, configuradores de álea econômica extraordinária e extracontratual.

Em qualquer das situações expostas, caberá ao contratado solicitar a providência à Administração Pública, deduzindo as razões para reconhecimento de seu direito, competindo-lhe a demonstração do nexo causal entre os efeitos da pandemia e a impossibilidade de cumprir o contrato nos termos inicialmente pactuados.

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A seu turno, caberá à Administração analisar os requerimentos em prazo razoável e decidir de forma motivada, atentando-se para o dever de considerar as consequências práticas da decisão, conforme imposição da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (art. 20,com a redação dada pela Lei nº 13.655/2018).

*Angélica Petian, doutora em Direito. Sócia do Vernalha Guimarães e Pereira Advogados

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