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Os distratos de imóveis e a derrocada do mercado imobiliário

Por Olivar Vitale
Atualização:

Olivar Vitale 

O passado do mercado imobiliário nacional não é um conto de fadas. O século XX foi pautado pelo esforço hercúleo dos empresários brasileiros, responsáveis pelo know-how aplicado e pelo investimento com capital próprio nos empreendimentos desenvolvidos. Aquisição de terreno, desenvolvimento e aprovação de projeto, emolumentos e custas de órgãos públicos e cartórios, efetiva construção do empreendimento. Enfim, praticamente tudo arcado com o capital próprio do empreendedor. Não bastasse esse fardo, o gigante da inflação lá estava muitas vezes para desequilibrar os contratos firmados com prazos duradouros, seja no financiamento à produção, seja na venda dos imóveis.

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Mais recentemente, nos últimos dez anos, o cenário mudou. Legislação mais moderna de fomento ao mercado, crédito farto e crescimento econômico são alguns dos principais fatores para o boom imobiliário brasileiro, cuja participação no PIB nacional saltou dos históricos 1% a 2% para quase 10% ao ano.

Os lançamentos imobiliários dos últimos anos foram esperados ansiosamente pelo mercado. A oferta não conseguindo atender a tamanha demanda. O preço de lançamento sendo tão logo reajustado, sempre para mais caro. O comprador do imóvel buscando não apenas um lar para residência ou um conjunto comercial para alugar. Almejando, e obtendo, também, a valorização do próprio imóvel.

O termo "bolha imobiliária" então se tornou moda, principalmente porque em época de inflação anual por volta de 5%, os imóveis no país se valorizaram na média de 25% ao ano.

Porém, como todo crescimento em ritmo frenético, esse chegou ao fim! A economia brasileira desabou e, com ela, o mercado imobiliário que, antes em franco crescimento, passou a desacelerar e, a partir desse ano, sem dúvida, a refrear, mergulhado em verdadeira crise.

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As notícias são de empresas demitindo em massa, deixando de adquirir novos terrenos e, consequentemente, não havendo número sequer razoável de novos lançamentos de empreendimentos imobiliários.

Com a crise, a desvalorização dos imóveis é uma realidade, tanto os usados quanto os em fase de construção ou recentemente concluídos.

Na linha do tempo de um empreendimento objeto de incorporação imobiliária, pode-se dizer que do lançamento à entrega das chaves das unidades autônomas, em média, decorrem por volta de três anos. Isto é, a atual crise tem atingido empreendimentos imobiliários lançados ao mercado em época de pleno crescimento, sendo que muitos dos compradores o fizeram visando a valorização do ativo adquirido, o que nos dias de hoje absolutamente não mais ocorre.

Tal situação, somada à crise econômica que torna escassos os rendimentos, à rigidez maior e percentual também maior de juros cobrados para concessão do financiamento imobiliário e, ainda e tão importante quanto, às demissões desses consumidores de seus empregos, o que só aumentam, vem gerando o descumprimento contratual por parte desses adquirentes, que invariavelmente deixam de honrar as parcelas do preço do imóvel comprometido à aquisição.

A solução para tal impasse, de opção pela desistência do negócio ou descumprimento do pagamento do preço de aquisição pelo consumidor, é o distrato (se consensual) ou ação de resolução do contrato cumulada com devolução de parte dos valores pagos (se judicial).

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Num ou noutro caso, o comprador desistente recupera parte dos valores até então pagos e o imóvel volta ao estoque da incorporadora vendedora para revenda.

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Situação corriqueira. Nada recente, aliás. O problema é que o distrato, até então uma exceção, virou regra. Conforme pesquisa recente da agência de classificações Fitch, 41% dos contratos de venda dos imóveis na planta em 2015 foram rescindidos, por distrato ou medida judicial, tendo as vendedoras devolvido boa parte do preço recebido e colocado novamente à venda o bem.

Na prática, a incorporadora lança o empreendimento e consegue vender um considerável número de unidades, hoje em dia cada vez menor dada a crise econômica. No interregno entre a venda e o término da construção, ou seja, uns 3 anos, o consumidor por algum dos motivos acima expostos desiste da aquisição e recebe, em troca, boa parte dos valores até então pagos (geralmente em patamar que varia de 70 a 90% do total, dependendo do contrato firmado e/ou da decisão judicial específica do caso). Já a incorporadora vendedora, além de ter que devolver parte do que recebeu como preço da venda, fica com a mesma unidade em seu estoque, em época de crise e desvalorização imobiliária, tendo ainda que levar adiante a construção do empreendimento até o estreito término, haja vista que os compradores adimplentes, por menor número que sejam no todo, têm o direito de receber seus imóveis conforme prometidos, nas condições e no prazo ajustados em contrato. A conta não fecha, obviamente.

Comercialmente analisando, não faz sentido uma empresa ir a mercado para lançar novo empreendimento, ofertando à venda imóveis pendentes de construção, ciente que dos imóveis que conseguir vender quase 50% deles voltarão a seu estoque até a entrega das chaves, sendo que tal empresa devolverá ao comprador quase a totalidade do quanto até então recebido por essas vendas, à vista.

A crise é sistêmica. A conta, quem paga hoje é o empreendedor, lotado de estoques e repleto de devoluções de valores ao qual contava como seu. A final, obviamente, quem pagará essa conta é o consumidor, com escassez de novos imóveis e, naturalmente, com o aumento do preço das unidades, a médio prazo. Sempre é assim.

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Há que se encontrar um equilíbrio entre a possibilidade de desistência do negócio pelo comprador consumidor, uma questão social, e a não oneração excessiva ao vendedor incorporador, uma questão de segurança jurídica.

E essa solução necessariamente passa por uma penalidade não irrisória ao comprador pela desistência do negócio.

Determinar a devolução de quase a totalidade dos valores investidos pelo comprador é, em última análise, permitir que a compra do bem se torne um tipo de investimento sem risco em que, caso o imóvel não valorize o esperado e desejado, o consumidor possa recuperar os valores investidos, realocando-o em outra aplicação e largando o prejuízo à vendedora incorporadora.

Assim, não há mercado imobiliário que suporte, quanto menos que cresça.

*Olivar Vitale é advogado, conselheiro jurídico do Sinduscon-SP e do Secovi-SP, professor da ESPM, UNI-SECOVI, Poli-USP, EPD e sócio do escritório Tubino Veloso, Vitale, Bicalho e Dias Advogados

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