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Os deveres de probidade e de lealdade no processo civil

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Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Rogério Tadeu Romano. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  Foto: Estadão

Temos do CPC de 2015:

Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente.

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

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III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

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VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

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Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário mínimo.

§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

Fatos incontroversos são aqueles aceitos expressa ou tacitamente pela parte contrária,

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É dever das partes a exposição dos fatos de acordo com a realidade, proceder com lealdade e boa-fé no ajuizamento das demandas e no decorrer do processo, bem como não formular pretensões destituídas de fundamento.

Proceder de modo temerário é agir com afoitamento, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão (Chiovenda). Age de má-fé a parte que deliberadamente altera a verdade dos fatos, com o fim de locupletar-se (art. 80 , II , novo CPC).

O recurso manifestadamente protelatório deve ser, de pronto, indeferido. Aqui, necessário distinguir entre ato protelatório e ato impertinente. A esse respeito ensinou Nelson Néry Jr: os que não guardam relação com a matéria discutida na ação judicial. Podem ser praticados tanto pelo autor, como pelo réu. E os atos supérfluos são os desnecessários, que não precisam ser praticados para que o processo tenha seu curso normal (NERY JR; NERY, 2006, p. 206). Disseram ainda eles (Nery Jr. e Nery (2006, p. 206) que:

"O advérbio manifestamente se aplica a todas as hipóteses mencionadas na norma, sendo indicativo de que a lei exige o exame da conduta da parte para caracterizar-se a responsabilidade que dela decorre. Somente quando a atitude da parte for flagrantemente protelatória, impertinente ou supérflua é que há o dever de responder pelas despesas decorrentes do ato."

Não podem as partes opor resistência injustificada ao andamento do processo.

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O procedimento temerário pode provir de dolo ou culpa grave, mas não de culpa leve (...)...havido má-fé (...) o litigante temerário age com má-fé, perseguindo uma vitória que sabe indevida"(NERY JUNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 185)).

Há uma exigência legal de que as partes se conduzam segundo os princípios da lealdade e da probidade.

Observo que o antigo artigo 273, II, do CPC de 1973, fazia exigir uma análise do comportamento do réu de modo a distinguir se este está usando do seu direito de defesa, ou, então, se deste está abusando. Era o que se tinha da chamada tutela de evidência.

No entendimento de Arruda Alvim (Manual de Direito Processual Civil, volume II, 7ª edição, pág. 407) que não havia uma sobreposição ou coincidência de campos, entre a má-fé e os erros que o demandado possa incorrer. Trouxe, por exemplo, o fato de que a defesa de uma tese "bisonha", e, pois, ainda que possa não configurar má-fé, nem por isto deixará de se constituir um pressuposto possível para a chamada tutela antecipatória, pois, em termos jurídicos, o processo está sendo injustificadamente procrastinado. Continuou ainda Arruda Alvim por dizer que "ou, então, se o réu está, apenas procrastinando ou atrasando um resultado, o qual, ao qual ao que tudo indica, ser-lhe-á desfavorável." Nesta hipótese, haver-se-á de, igualmente, antecipar a tutela. Em ambos os casos, o juiz, em face do sistema jurídico, ao ensejo da concessão da tutela antecipada não se encontrará, inteiramente, satisfeito com a instrução existente. No entanto, o juiz verificará que, pela instrução já existente, pode ter um grau de certeza suficiente (o qual a lei denominava de prova inequívoca que conduzia à verossimilhança).

A lei processual não tolera a má-fé e arma o juiz de poderes para atuar de ofício contra a fraude processual. A lealdade processual é consequência da boa-fé no processo e exclui a fraude processual, os recursos torcidos, a prova deformada, as imoralidade de toda ordem, como acentuou Echandia (Compendio de Derecho Procesal, 1974, volume I, n. 15, pág. 51). Sendo assim o juiz poderá reprimi-la de ofício ou por pedido da parte prejudicada.

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Ensinou Arruda Alvim (obra citada, pág. 407) que o princípio da boa-fé a que se antagoniza o comportamento da má-fé, encontra-se definitivamente ancorado no direito contemporâneo (Deveres das partes e dos procuradores no direito processual civil brasileiro).

Descartada a ideologia liberal que via o processo como uma "luta" e, desta forma, era incomparavelmente menor era o controle do juiz como já ensinava Hans Wetzel (O dever de veracidade no processo civil), pág. 6, Berlin, 1935), na mesma linha dos ensinamentos de Klaus Eckhard Shönfeld (A máxima do debate do processo civil e em outros procedimentos).

Descarta-se, no processo civil contemporâneo, a posição liberal, com origem em Gönner, em que se afirmava que as partes traziam o material ao juiz e a atividade deste só era exercível só e exclusivamente à luz do resultado desse material, vedando-se a atividade oficiosa. Isso já passou.

Como características mais evidentes da má-fé, como acentuou Arruda Alvim (obra citada), diz-se que a parte deve acreditar subjetivamente no que postula, que os fatos alegados terão de ser possíveis de serem provados, como ainda ensinou Josef Truter (Bona fides im Zivilprozesse Ein Beitrag zur Lehre von der Herstellung der Urteilsgrundlage (A boa-fé nos processos civis, uma contribuição para o estudo da modificação da base da sentença, Munique, 1892).

Essa a contribuição que foi recepcionada no artigo 18 do CPC de 1973, com a redação dada pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994 e, modernamente, no CPC de 2015, com a redação exposta acima no artigo 80.

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Para tanto com o objetivo de coibir a má-fé e velar pela lealdade processual o juiz deve agir com poderes inquisitoriais, deixando de lado o caráter dispositivo do processo civil.

Na lição de Andrioli (Lezioni di Diritto Processuale Civile, 1973, volume I, n. 62, pág. 328) as noções de lealdade e probidade não são jurídicas, mas sim da experiência social. A lealdade é o hábito de quem é sincero e, naturalmente, abomina a má-fé e a traição; enquanto a probidade é própria de quem atua com retidão, segundo os ditames da consciência.

O dever processual ao contrário da obrigação processual, impõe perpetuidade, algo que deve ser conduzido no curso do processo.

Ocorre, outrossim, violação do dever de lealdade em todo e qualquer ato inspirado na malícia ou má-fé e principalmente naqueles que procuram desviar o processo da observância do contraditório, como explicou Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, volume I, 25 ª edição, pág. 86). Isso se dá quando a parte desvia de forma astuciosa o processo do objetivo principal e procura transformá-lo numa relação apenas bilateral, onde só os seus interesses devam prevalecer perante o juiz, como ainda assegurou Andrioli (obra citada, pág. 328).

O litigante é responsável pelos prejuízos que causar, além de despesas e honorários, aplicando cumulativamente multa superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, e quando irrisório, podendo chegar até dez vezes o salário mínimo, fixado pelo juízo competente ao funcionamento do judiciário.

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Lembrou Jean Silvestre (O abuso processual da parte frente à litigância de má-fé), à luz da obra de Gazdovich, que o litigante é responsável pelos prejuízos que causar, além de despesas e honorários, aplicando cumulativamente multa superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, e quando irrisório, podendo chegar até dez vezes o salário mínimo, fixado pelo juízo competente ao funcionamento do judiciário.

A partir daí vem a aplicação da multa, vista como pena no processo civil.

Arruda Alvim (Tratado de Direito Processual Civil, 2ª edição, volume II, 1996, pág. 647) ensinou:

"Sanção pecuniária prevista em lei, aplicada pelo Estado-juiz de ofício ou a requerimento, contra qualquer sujeito que participe do processo em virtude da inobservância dos deveres processuais", como "consequência de ordem pecuniária, decorrentes do inadimplemento, com má-fé, de determinados deveres expressos nestes artigos e em outros do Código."

Assim, quando a conduta no processo estiver coadunada com alguma das hipóteses do art. 80, tendo em vista a expressa previsão legal, será condenado nos efeitos previstos no art. 81 (multa de 1 a 10%). Trata-se de uma indenização com caráter sancionatório.

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O art. 79 do CPC diz que"responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé". Correspondem à responsabilidade subjetiva, dependendo da comprovação do ato (litigância de má-fé), os danos que a parte sofreu (quantificação e liquidação destes danos) e o nexo causal (se os danos que foram suportados possuem origem na litigância de má-fé) e isso são feito em ação autônoma de indenização pelos danos acarretados.

O § 3º do art. 81 do Novo CPC revogou tacitamente o teto existente para o valor da indenização, onde é cumulada a reparação juntamente com a sanção, onde o código anterior que estabelecia o limite do valor de 20% (vinte por cento) da causa, como bem lembrou Jean Silvestre (obra citada).

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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