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Os desafios do compliance criminal

Por Mario Fabrizio Polinelli e Nastassja Chalub
Atualização:
Mario Fabrizio Polinelli e Nastassja Chalub. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O compliance é, sem dúvidas, um dos assuntos mais tratados no mundo corporativo. Assim como ESG (environmental social and governance), seu escopo é bem mais abrangente do que apenas um espaço saudável para as empresas. Envolve a criação de uma cultura que visa garantir a conformidade à lei e à moralidade no ambiente corporativo.

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A experiência internacional mostrou que, no desbravamento de crimes complexos, o compliance tem grande utilidade, afinal, se o ente privado se autorregula, atuando para coibir e trazer à tona ilícitos praticados, o Estado tem mais chances de sucesso na investigação e na persecução penal.

Contudo, o cenário brasileiro ainda não se consolidou diante da insegurança jurídica na aplicação de tal instituto.

Por aqui as políticas de conformidade não são inovação. Embora não fosse utilizada a expressão "compliance", vários diplomas legais do direito pátrio impunham aos administradores de empresas deveres de conformidade. É o caso, por exemplo, da Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro, Lei dos Crimes Tributários, Lei de Licitações etc.

Ainda assim, a Lei de Lavagem de Dinheiro (9613/98) e a Lei Anticorrupção (12846/13) tornaram-se marcos importantes para o compliance criminal.

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Isto porque a lei 9613/98 criou a obrigação de que empresas de determinados setores adotem mecanismos para identificar seus clientes, mantenham os registros de transações feitas, tenham cadastro no órgão regulador ou fiscalizador, adotem políticas, procedimentos e controles internos correspondentes ao porte da empresa, bem como aptos para atender aos comandos previstos na legislação.

Neste mesmo sentido, a Lei Anticorrupção (12846/13) consagrou a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de determinados atos lesivos e estabeleceu fatores que serão levados em consideração na aplicação das sanções.

Entre essas considerações há previsão de "existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de código de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica" (art. 7º da Lei 12846/13).

Ou seja, atualmente a legislação de combate à lavagem de dinheiro cria uma obrigação, enquanto a lei anticorrupção incentiva a existência de programas de compliance para a redução das sanções eventualmente aplicadas.

A partir de então o compliance foi sendo regulamentado por meio de decretos, resoluções, circulares e diretrizes. Sua relevância resulta exatamente dessa evolução legal, somada a importantes contextos políticos e econômicos.

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Com esses avanços também foram abertas outras frentes de responsabilização das pessoas jurídicas, embora na seara penal esse tipo de punição seja limitado somente aos casos de crimes ambientais.

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Sobre essas novas formas de responsabilização, diversas questões polêmicas podem ser levantadas, dentre elas o forte caráter penal de algumas normas administrativas, em decorrência da semelhança entre atos lesivos ensejadores de sanções e condutas tipificadas como crimes para pessoas físicas.

Ademais, a severidade de certas sanções administrativas contra as empresas chega a ser maior do que a das sanções de natureza penal previstas na legislação ambiental, o que parece um contrassenso.

As críticas não se voltam apenas à forma de responsabilização das pessoas jurídicas; há, ainda, certa tendência à persecução do compliance officer pelo seu papel de "olhos" da boa governança corporativa.

O decreto nº 8420 dá atribuição à figura do compliance officer para aplicar o programa de integridade e fiscalizar seu cumprimento. Já o artigo 3º da Lei Anticorrupção prevê que a responsabilização, no sentido persecutório, da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de dirigentes, administradores ou pessoas que figurem como autoras, coautoras e partícipes do ilícito.

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No intuito de responsabilizar o compliance officer, foi construído o raciocínio de que sua posição seria a de garantidor, ou seja, teria o dever jurídico de impedir práticas ilícitas.

Tal raciocínio, sem dúvidas, gera bastante insegurança, pois a legislação brasileira não fixou parâmetros claros o suficiente para responsabilizar essas pessoas.

Não parece razoável que o simples exercício da função de compliance officer seja o suficiente para a persecução do titular do cargo no caso de ocorrência de um ilícito. No direito penal, vigora a vedação da responsabilidade penal objetiva, sendo necessário apontar de maneira concreta o modo como o acusado contribuiu à prática do delito. Tampouco o compliance officer deverá ser responsabilizado criminalmente pela falha no dever de prevenção dentro da empresa, afinal, sua obrigação é de meio e não de fim.

Embora a Ação Penal 470 tenha também abordado a responsabilidade criminal do compliance officer, não foram delimitados os critérios necessários para essa responsabilização, tornando-se necessária a promoção de novos debates para assuntos ainda pouco explorados.

Anos depois, a responsabilização do compliance officer voltou aos holofotes com os desdobramentos da Operação Lava Jato, quando o Ministério Público Federal apurou a ação de funcionários do Banco do Brasil que supostamente teriam facilitado operações de lavagem de dinheiro.

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Daí decorre a necessidade de avaliar, de forma criteriosa, qual o papel do compliance officer na empresa, seu nível de autonomia e outros fatores importantes que podem implicar, ou não, na exclusão da culpabilidade deste profissional.

Para além da responsabilização, ainda há muitas questões a resolver: investigações internas e seu equilíbrio com o direito de defesa, whistleblower e a recompensa no caso de compliance em empresas públicas, os limites da comunicação espontânea, a análise de risco e o manejo da confidencialidade, o reflexo dessas ações na economia e muitas outras.

A falta de resposta para tantas dúvidas, assim como a ausência de previsão das consequências práticas do programa de compliance, são desafios a serem enfrentados para a consolidação da cultura da conformidade.

Mais do que isso, os programas de compliance devem sempre estar em monitoramento, pois somente no dia a dia, com base em erros e acertos, seu aprimoramento será possível.

Fato é que a expansão da criminalidade aumentou os protagonistas do direito penal e, à medida em que o tempo passa, o compliance criminal se mostra um poderoso instrumento na criação de uma cultura corporativa mais transparente.

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Para sua efetividade, no entanto, é necessário fomentar mais debates na comunidade jurídica, criar mais intimidade com a legislação, com propostas de mudanças e aperfeiçoamento de tal instrumento, pois, somente assim a realidade brasileira proporcionará a segurança jurídica necessária para emplacar a mudança cultural.

*Mario Fabrizio Polinelli e Nastassja Chalub são criminalistas e sócios do escritório Carlos Eduardo Machado Advogados

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