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Os desafios da rede pública de ensino com as consequências da covid-19

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Por Antonio Baptista Gonçalves
Atualização:
Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

2020 é o ano que constará nos livros de história pela disseminação de uma pandemia mundial com consequências sanitárias, sociais e econômicas para os países envolvidos. A Covid-19 revelou as deficiências dos países inapelavelmente. No Brasil, a pandemia mostrou a desigualdade econômica e social. Um país que deveria proteger as comunidades, faz o contrário. Trabalhadores são a base do setor de serviços e o medo do vírus é menor do que o da fome. Assim, continuam indo trabalhar e se arriscar e a seus entes queridos. Tudo pela necessidade.

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O Brasil é um país com desigualdades econômicas acentuadas, pois 28% da renda total do país está concentrada em 1% da população, o que o coloca apenas abaixo do Catar como maior concentração de renda entre os países. Com a Covid-19, os trabalhadores, especialmente os autônomos, viram sua renda diminuir, contratos serem suspensos ou terminados. Para muitos, a pandemia representou não apenas a perda da fonte de renda como a realidade de não conseguir se realocar por conta do isolamento social forçado. O receio de contrair o vírus fez com que as pessoas esperassem, porém, com o passar o tempo e a escassez de recursos, os problemas se avolumam.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad do IBGE, o terceiro trimestre do ano apresentou a maior taxa de desemprego no país já registrada, com 14,6% da população, o que equivale a 14,1 milhões de pessoas desempregadas. E para os jovens a situação é ainda pior: 44,2% para pessoas desempregadas de 14 a 17 anos e 31,4% para jovens entre 18 a 24 anos.

Com o aumento do desemprego, é natural que as famílias tenham de selecionar quais contas podem pagar e quais precisarão atrasar. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, 64% dos brasileiros de classe média estão com alguma conta em atraso. E 53% da classe média teve de deixar de pagar ou cortar: manutenção do plano de saúde, empregada doméstica ou babá ou o pagamento de mensalidade de escola particular.

Especificamente sobre a educação, a consequência natural é o afastamento das crianças das escolas particulares e dos filhos das universidades privadas. Com isso, a única possibilidade é a migração para a educação pública estadual ou municipal, do contrário não haverá estudo, e a dúvida é: houve capacidade da rede pública de ensino em absorver com educação de qualidade os alunos da rede privada por conta da pandemia da Covid-19? A resposta é negativa.

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O Governo do Estado de São Paulo implementou após as eleições municipais restrições ao lazer, com redução do funcionamento dos restaurantes e ampliação da jornada dos centros comerciais, o que representa uma nítida preocupação com a nova onda da pandemia da Covid-19. Parece cada vez mais próximo um novo isolamento forçado, um eventual lockdown após as festas de final de ano em virtude das consequências das aglomerações delas decorrentes. As escolas seguem sem previsão de abertura e o cenário de 2021 não carreia modificações em relação aos últimos meses, isto é, aulas não presencias e sem contato entre os alunos.

As raras tentativas de retorno, especialmente entre as escolas particulares, restaram infrutíferas pelo surgimento de novos contágios e infecções da covid-19 entre alunos ou professores. Assim, com os alunos da rede privada em evasão, uma vez mais indaga-se: haverá estrutura da rede pública de ensino para enfrentar uma nova onda de isolamento e de aulas em modo não presencial? Refletimos.

Segundo o último censo divulgado pelo IBGE, 8,7 milhões de estudantes que frequentavam escola em 2020 não tiveram acesso às aulas remotas em julho. Os dados revelam que o sistema educacional, especialmente o público, não estava preparado para a adaptação do ensino à distância. E certamente não se trata de mero despreparo técnico. Falamos de um país continental e desigual em amplo espectro. Segundo dados do IBGE de 2018, apenas 41,7% dos domicílios dispunham de microcomputador, e apenas 30,0% dispunham de dispositivos como tablet. O acesso à internet também segue longe de abranger a totalidade da população. A mesma pesquisa revela que 79,1% dos domicílios possuem acesso à internet. No entanto, a maior parte dos acessos (99,2%) se faz por meio de celular.

A falta de acesso à internet é de fato apenas um ingrediente a mais ao caos. Soma-se a isso a deficiência de instalações adequadas na residência do estudante, a insegurança alimentar, a ausência de preparo dos pais, insuficiência de mentoria, condições familiares etc. E somado a isso tem o corte previsto no orçamento do Ministério da Educação no importe de R$ 4,2 bilhões, o que certamente trará reflexo na já cambaleante educação da rede pública de ensino.

Manter o aluno na escola, em tempos pré Covid-19, já era uma dificuldade social relevante. Hoje, com as incertezas, as adversidades que acometem a vida dos estudantes, o contexto familiar e o impacto econômico causados pela pandemia, o desafio atinge patamares mais elevados e complexos.

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Os dados do último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia a qualidade educacional dos 79 países participantes, mostram o Brasil está entre 58º e 60º lugar em leitura, entre 66º e 68º em ciências e entre 72º e 74º em matemática.

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Aos que compreendem a educação como elemento chave para o desenvolvimento socioeconômico de uma nação, o prognóstico é muito ruim. O impacto das omissões e da falta de investimento em educação para os próximos anos são incalculáveis e certamente negativos. Some a isso a migração dos alunos da rede privada para a pública em virtude da crise econômica que acomete os lares brasileiros. É de se esperar uma ampliação da demanda das escolas públicas, há muito desassistidas.

Há a necessidade da intervenção do governo federal em parceria com os governos estaduais e municipais. Ainda não se sabe o impacto ou a extensão da nova onda da Covid-19. Entretanto, o risco de aulas online ao longo do próximo semestre é real, a renda das famílias pode diminuir ainda mais e, sem a ação do Estado Democrático de Direito, o ensino das crianças poderá ser severamente prejudicado.

Os índices de desemprego entre os jovens já mostram que a formação de ensino não os capacita de maneira apropriada para as demandas do mercado de trabalho. Então, com esse volume novo de alunos chegando, o abismo no futuro poderá ser ainda mais acentuado. Que se proteja o futuro das próximas gerações com investimentos, infraestrutura, acesso, internet e sinal de rede. A população brasileira agradece.

*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP e presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP - subseção de Butantã

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