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Os desafios culturais das instituições na adoção dos pagamentos instantâneos

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Por Gabriel Sampaio
Atualização:
Gabriel Sampaio. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O que há algumas décadas era apenas especulação, agora, se torna realidade em todo o mundo. A modernização do setor financeiro, com a chegada de ferramentas tecnológicas que permitem realizar transações, desenvolver novos produtos e serviços, de maneira cada vez mais ágil, conectada e integrada, já está ao alcance de parte da população. O modelo tem como foco principal colocar o consumidor no centro de todas as ações, com as instituições estudando seu comportamento a fundo para atender suas necessidades de maneira customizada, orientada e eficiente.

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Em um mundo onde 5,1 bilhões de pessoas, o equivalente a 67% da população, usam algum tipo de aparelho de telefonia móvel, segundo relatório da GSMA, era esperado que a interação por meio de canais digitais tivesse um crescimento exponencial, exigindo a transformação de todos os mercados, entre os quais o financeiro. A chegada das fintechs mobilizou o segmento que, apoiado em uma cultura ágil, soluções de ponta e na utilização de tecnologias open source, começou a adaptar suas infraestruturas para oferecer segurança e estabilidade  à experiência do usuário e suas milhões de transações e operações registradas diariamente. Uma estratégia que vêm abrindo espaço para novas oportunidades de negócio e trazendo maior poder de escolha aos consumidores.

A nova era das transações

De acordo com a recente Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária, realizada em parceria com a Deloitte, as transações bancárias feitas por pessoas físicas pelos canais digitais - internet e mobile banking - no Brasil foram responsáveis por 74% das operações em abril. Os smartphones representaram 67% das transações analisadas no período.

Essas operações vêm mudando, por exemplo, a forma de realizar pagamentos, que está se tornando cada vez mais instantânea, invisível (feita por meio digital) e gratuita. Estudo da Accenture aponta que a receita global de pagamentos provavelmente crescerá a uma taxa anual de 5,5%, passando de US$ 1,5 trilhão em 2019 para mais de US$ 2 trilhões até 2025. O crescimento, no entanto, vai ficar restrito às instituições que aderirem à mudança cultural iminente e necessária, em razão da digitalização. O Gartner já estima que 80% de grandes empresas do setor vão se tornar irrelevantes, ou até mesmo deixar de existir, até 2030 caso não acompanhem os avanços tecnológicos juntamente com a mudança de mentalidade e de comportamentos, seja dentro ou fora das empresas.

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Em várias regiões, as instituições já estão adotando soluções de pagamentos instantâneos, que possibilitam a pessoas e empresas transferir dinheiro em tempo real, sem restrições de dias e horários, de forma muito mais rápida e com custo muito mais baixo. Atualmente 54 países, segundo o relatório Flavors of Fast 2019, possuem alguma iniciativa nesse sentido. Um número 35% maior do que no ano anterior. Um dos destaques na adesão ao sistema é a Índia, que relatou um crescimento de oito vezes no volume de transações e de dez vezes nos valores transacionados.

No Brasil, o projeto de pagamentos instantâneos vem sendo capitaneado pelo Banco Central (BC). Em discussão desde 2013, o BC ouviu o mercado e estudou detalhadamente aspectos positivos e negativos dos modelos de negócio de soluções de pagamento instantâneo já implementados, ou em fase de desenvolvimento, em diversos países e regiões, como Estados Unidos, México, China, Singapura, Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Índia e Austrália.

Agora, o BC finalmente terá seu modelo lançado. Batizada de Pix, a solução busca modernizar o sistema bancário no país, que hoje ainda segue extremamente dependente do papel moeda: 96,1% da população brasileira prefere utilizar dinheiro em espécie para pagar suas compras, como apontam dados do próprio Banco Central. Em relação às compras efetivadas, o cartão de crédito aparece, na mesma pesquisa, como 31%. Isso significa que, mesmo com a imensa disponibilidade de cartões e aplicativos de pagamentos, os brasileiros ainda continuam presos ao dinheiro físico, modalidade custosa às instituições públicas e, por muitas vezes, burocrática para os usuários.

Mudando o cenário atual

O Pix vem buscando mudar esse comportamento. O sistema vai funcionar como um instrumento de democratização financeira, reduzindo o uso de papel-moeda e criando oportunidades de negócios entre todos os participantes - pessoas físicas, setor público e empresas privadas. A ideia é que possa substituir grande parte das transações com dinheiro em espécie ou realizadas por meio dos métodos atuais de transferências bancárias - Transferência Eletrônica Disponível (TED) e Documento de Ordem de Crédito (DOC). Com um sistema de chaves e tokens, o Pix também vai diminuir a burocracia, simplificar, e trazer maior segurança para as transações.

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Além disso, vai ampliar os atores do sistema, permitindo que outras instituições participem desse ecossistema. O fornecedor do serviço poderá ser um varejista, uma empresa de tecnologia, as fintechs, uma concessionária de energia ou telecomunicações. A única obrigatoriedade é que as soluções sejam interoperáveis e tenham estrutura de governança bem definida. Na última lista de participantes em processo de adesão ao PIX existiam 980 empresas cadastradas, o que demonstra o grande interesse de todos os setores em participar da iniciativa.

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Com tantos novos players no mercado, mais do que um trabalho forte de adequação tecnológica - com APIs integradas, infraestrutura robusta e escalável, baseada em tecnologias open source, com utilização de nuvens híbridas, microsserviços e containers  -, será necessária uma forte atuação para mudar metodologias internas de provedores e se adaptar a novas demandas de consumidores. Ou seja, uma transformação cultural profunda e um movimento em direção a modelos de negócios mais ágeis são necessários para permitir que o novo sistema cresça de forma incremental, com entregas de valor e curtos ciclos de feedback, até atingir seu potencial máximo.

Transformando hábitos

A mudança no mindset dos consumidores e principalmente da indústria não será rápida e homogênea. Pesquisa realizada pela Red Hat, empresa líder mundial no desenvolvimento de soluções open source, em parceria com a Harvard Business Review, mostrou que 55% dos líderes de mercado enxergam a barreira da cultura como o principal entrave para inovação digital.

A mudança cultural interna nas instituições financeiras é necessária - e fundamental - para acompanhar os novos comportamentos do consumidor. Nessa caminhada pela mudança de mindset, elementos típicos da cultura aberta, como a colaboração, serão fundamentais. Organizações já estabelecidas, fintechs, órgãos públicos e outros atores do setor terão que trabalhar em conjunto para aproveitar o potencial máximo que as novas tecnologias têm para gerar experiência aos clientes e novas oportunidades de negócios.

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Não somente a colaboração externa será necessária para atingir esses objetivos. Todo o time das instituições precisa estar aberto a aceitar novas formas de fazer, possibilitando uma atuação sinérgica entre as mais variadas áreas. É preciso construir estruturas multifuncionais, que vão ser ativas e participativas em todas as fases do projeto, conceitos do manifesto ágil que passam a se fazer presentes e, cada vez mais essenciais, para o futuro das companhias.

Com o consumidor no centro de todas as decisões, é necessário ofertar entregas que atendam as suas necessidades e possibilitem um serviço de excelência, porém isso passa a ser uma consequência do maior foco na cultura corporativa. Por isso a importância de preparar as equipes para trabalharem juntas, desenvolvendo habilidades em novas abordagens e tecnologias para que, assim, consigam entregar valor ao consumidor de forma simples e funcional. Na prática, a transformação cultural é parte essencial da engrenagem que move a transformação digital do mercado financeiro, suportando a inovação e o consequente surgimento de novos serviços e produtos, como no caso dos meios de pagamentos.

A modernização dos sistemas de pagamento no Brasil e em todo mundo é o reflexo do comportamento da sociedade. Há mais de duas décadas, Bill Gates, um dos principais nomes por trás de tecnologias que mudaram o curso da história, já afirmava que os serviços bancários são necessários, mas os bancos não. Ou seja, Gates já previa que a tecnologia nos levaria a um momento em que poderíamos abrir contas ou fazer movimentações financeiras sem precisar ir a uma agência ou interagir diretamente com uma tradicional instituição financeira.

Hoje a sociedade é muito mais tecnológica do que naquela época e busca outras formas e soluções para atender suas necessidades e anseios. As pessoas buscam disponibilidade, flexibilidade e experiências únicas em todos os tipos de serviços com os quais têm contato, incluindo os financeiros. O interesse é por um serviço simples e imediato que os atenda de ponta a ponta, quando e onde precisarem, sem um elo fixo com um provedor ou outro. Esse pensamento precisa estar enraizado em toda a indústria, pois ao contrário de um projeto que tem um término definido, a jornada da transformação digital é contínua. O primeiro passo já foi dado. Agora é seguir mudando, se transformando, e enxergando o ecossistema financeiro como um organismo vivo, que precisa acompanhar sempre, e de perto, as mudanças da sociedade.

*Gabriel Sampaio é arquiteto do Open Innovation Labs LATAM na Red Hat

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