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Os aparentes vícios de legalidade e constitucionalidade do decreto que extingue conselhos

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Por Flavia Regina de Souza Oliveira , Fernanda Basaglia Teodoro e Adriana Moura Mattos da Silva
Atualização:
Flavia Regina de Souza Oliveira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Decreto n.º 9.759/2019, publicado na última quinta-feira, 11/4/2019, reaqueceu as discussões sobre o papel da sociedade civil na elaboração de políticas públicas.

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O referido decreto revogou expressamente o Decreto 8.243/2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social ('PNPS') e o Sistema Nacional de Participação Social ('SNPS'), os quais fundamentavam a existência de órgãos colegiados com a participação da sociedade civil no âmbito da administração pública federal.

Tais órgãos atuam de modo consultivo junto às diversas instâncias do Poder Executivo federal, orientando-o no ciclo de políticas públicas, especialmente nas fases de formulação, implementação e avaliação.

As principais motivações para a edição da norma têm sido apresentadas em pronunciamentos de representantes do governo federal como a busca pela redução de gastos e pela desburocratização do Estado.

Na prática, porém, a extinção destes colegiados implica na redução de instâncias de debate e articulação nas mais diversas áreas, de questões sociais a econômicas e ambientais, dificultando o diálogo democrático entre os atores públicos, os representantes do mercado e os representantes da sociedade civil.

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Por essa razão, a medida poderá resultar em menor transparência e eficiência administrativa, especialmente quanto à formulação das políticas e na alocação de recursos orçamentários.

Além de extinguir os colegiados decorrentes da PNPS, o Decreto estabelece a extinção dos demais órgãos colegiados instituídos por decreto, ato normativo inferior (como portarias) ou atos de outro colegiado, os quais terão seu funcionamento interrompido a partir de 28 de junho de 2019.

Assim, pela regra geral, diversos conselhos e comitês estabelecidos antes mesmo da formalização da PNPS encontram-se ameaçados de extinção, a exemplo do Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência (Conade), criado em 1999.

Em razão da hierarquia de normas, no entanto, discute-se se o ato presidencial poderia extinguir ou modificar colegiados que foram instituídos por lei.

Embora os efeitos concretos do Decreto sobre a existência dos colegiados seja já visível, do ponto de vista da legalidade, porém, há ainda outros efeitos a serem considerados.

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Ainda que se supere a discussão sobre a possibilidade de revogação genérica e geral de normas, vez que nominalmente revogou-se apenas o Decreto 8.243/2014, verifica-se a ausência de motivação do ato normativo, ante a falta de exposição formal dos fundamentos do Decreto.

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A ausência de demonstração das razões lógicas e uma reflexão mais profunda sobre suas consequências viola frontalmente o princípio administrativo da motivação.

Essa perspectiva é reforçada à luz dos artigos 20 e 21 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (acrescidos pela Lei 13.655/2018), que exigem a demonstração da necessidade e adequação do ato, inclusive face às possíveis alternativas, além de impossibilitar sua fundamentação em valores jurídicos abstratos.

Ademais, ainda que a extinção das instâncias participativas seja defendida sob os argumentos de economia de gastos e desburocratização do Estado, seria possível argumentar que tais justificativas têm como pressuposto que a participação da sociedade civil prejudica o funcionamento da administração pública, ao invés de auxiliá-la - ideia esta contrária aos princípios e valores previstos no texto constitucional.

Em virtude dessa aparente ilegalidade por violação ao princípio da motivação e aparente inconstitucionalidade por ferir o princípio geral da participação social na administração pública, as reações ao Decreto 9.759/19 ocorreram rapidamente tanto no âmbito legislativo quanto no judicial.

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Não se sabe, por ora, como os colegiados se comportarão a partir da publicação do Decreto e há ainda diversas incertezas quanto à abrangência da regra geral, além das dúvidas, como demonstrado, quanto a sua legalidade e constitucionalidade.

Enquanto não há maiores esclarecimentos por parte do governo federal e na pendência de decisão das medidas legislativas e judiciais adotadas contra o ato normativo, permanece a diretriz para que os órgãos e entidades da administração pública federal encaminhem à Casa Civil da Presidência da República, até 28 de maio de 2019, a relação de colegiados que presidam, coordenem ou participem, apresentando suas atividades e os atos normativos que os regem.

*Flavia Regina de Souza Oliveira, Fernanda Basaglia Teodoro e Adriana Moura Mattos da Silva são, respectivamente, sócia e advogadas do escritório Mattos Filho

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