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Os 15 anos do CNJ: um balanço entre passado e futuro da eficiência do Judiciário

Conselho promete inovar aproximando o Poder Judiciário brasileiro da Organização das Nações Unidas

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Por Maria Tereza Uille Gomes e Clara da Mota S. Pimenta Alves
Atualização:

Maria Tereza Uille Gomes e Clara da Mota S. Pimenta Alves. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Este mês de fevereiro coloca fim ao recesso do poder judiciário e abre um ano que traz o importante aniversário de quinze anos da criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ao chegar de vez na sua adolescência, o CNJ terá a chance de fazer um balanço entre o que foi até aqui o seu passado e o que pode ser o seu futuro. Ao mesmo tempo em que poderá comemorar a instituição de mecanismos de controle dos tribunais, o Conselho precisará sinalizar estratégias que saiam do campo das metas formais e levem o judiciário a contribuir mais decisivamente para o desempenho econômico do país e a redução dos nossos percentuais chocantes de violência e desigualdade.

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Na tensão de um passado que apresentou respostas "tradicionais" sem abalar radicalmente o estoque de 80 milhões de processos em tramitação, nem tampouco melhoraram a imagem pública da justiça, a novidade que surge como promessa de futuro é a criação pelo CNJ de uma meta que associará a eficiência na atividade dos juízes ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), adotados pelo Brasil no ano de 2015.

Trazer o fator humano - as pessoas - para a equação de eficiência da justiça foi a grande inovação da meta 9 do CNJ. Criada em novembro do último ano, e ainda em fase de implementação, ela abre um amplo leque de possibilidades para mudança institucional e a medição concreta dos resultados de processos que recaem sobre temas fundamentais para a população. Sabendo que não é simples definir quando e como um litígio produz mudanças sociais positivas, a pretensão de esmiuçar a judicialização que afeta a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é um avanço interessante. No novo modelo, a ênfase é deslocada da simples diminuição de processos para uma forma substantiva de operar a accountability judicial.

Esse giro de perspectiva permite que sejam colocadas na mesa perguntas diferentes das que estavam sendo feitas: o que ocorre afinal com os processos criminais que tratam de transporte ilegal de madeiras e se relacionam com o objetivo de enfrentamento das mudanças climáticas (ODS 13)? Quem são os envolvidos? Em quanto tempo são julgados? Como os tribunais promovem equidade de gênero nas suas dependências e observam o Objetivo que trata desse assunto? Ao final, o tribunal cumpridor da meta será aquele que, após escolher um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável existentes, se mostrar capaz de elaborar um plano de ação não só reduzindo este tipo de litigância, mas a expondo e prevenindo, inclusive através da interação com outros poderes e políticas públicas.

Essa baliza de eficiência é multidimensional, justamente como são os impactos das decisões da justiça. Em primeiro lugar, um estoque baixo de ações não é garantia evidente de melhor performance econômica ou justiça social. A ausência de litígios pode significar apenas a falta de acesso das pessoas à defesa dos seus direitos ou estagnação econômica. Por outro lado, às vezes um julgamento dá certo apenas por gerar algum símbolo de transformação para a comunidade, outras por acalmar um ânimo ou mobilizar algum grupo no seu entorno. A análise de tudo isso também pode variar com tempo. Aquilo que pareceu ter sido uma consequência boa lá atrás pode não soar tão bem assim com o passar dos anos. Um julgamento não é necessariamente bom ou ruim por inteiro. Ele pode ser as duas coisas. Num debate que há décadas ocupa a academia jurídica norte-americana, hoje se aponta que poucos notaram o silêncio do poder judiciário daquele país quanto à demissão massiva de professores negros no momento da efetivação do julgado que pôs fim à segregação racial nas escolas (Brown v. Board of Education of Topeka). Não faltam ao Brasil exemplos semelhantes com contradições também marcantes. Aqui, o custo unitário dos processos judiciais é maior do que o salário mínimo pago em decorrência dos benefícios sociais deferidos pela própria justiça.

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Se não repara todas as lacunas da antiga noção de eficiência, o passo dado pelo CNJ com a sua meta ao menos inova por se mover na zona cinzenta da avaliação de impactos, por fomentar o diálogo multilateral e interinstitucional e ainda por tentar superar o espírito das reformas dos sistemas de justiça que inspiraram a criação do Conselho nos anos 2000. A adesão direta do poder judiciário à Agenda 2030 da ONU deixa claro que não basta aos tribunais garantir um ambiente de negócios estável e previsível ou um volume de processos irrisório. A boa prestação do serviço da justiça exige mais do a racionalidade econômica estrita conseguiu entregar até agora.

Ainda que não seja uma resposta definitiva para todos esses dilemas, o movimento do CNJ de aproximação com o sistema das Nações Unidas é determinante para que o poder judiciário brasileiro aprofunde a sua relação com a sociedade civil em termos concretos, transparentes e numa lógica de eficiência felizmente humanizada.

*Maria Tereza Uille Gomes. Conselheira do CNJ. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná. Professora do Mestrado da Universidade Positivo

*Clara da Mota S. Pimenta Alves. Juíza federal. Doutoranda em direito econômico pela Universidade de São Paulo

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