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Os 15 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal

*Por Valdecir Pascoal

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Por Redação
Atualização:

Neste 4 de maio de 2015, a Lei Complementar Federal 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal ou simplesmente LRF, completou 15 anos. Embora devamos comemorar a consolidação de uma nova cultura de responsabilidade fiscal por grande parte dos nossos gestores, o momento também é propício para reflexões sobre o futuro desse diploma.

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Antes, porém, cabe uma viagem ao final dos anos 90. Ainda que o Plano Real tivesse estabilizado a moeda, a realidade do setor público nacional, em especial da maioria dos Estados e Municípios brasileiros, era de completo desequilíbrio fiscal. Com o fim do "imposto inflacionário", que mascarava as contas públicas, veio o choque de realidade. Eis o quadro: descontrole da despesa com pessoal, que, em muitos casos, atingia a quase totalidade da receita; concessão de renúncias fiscais sem comprovação do benefício econômico; endividamento além da capacidade de pagamento; planejamento orçamentário precário e falta de transparência da gestão.

A LRF surge para por ordem neste quadro. Os novos mantras para o gestor público passaram a ser: 1. você não pode gastar mais do que arrecada; 2. planeje muito bem seus gastos, com atenção especial para a despesa com pessoal e para aquelas contraídas ao fim do seu mandato; 3. não dê um passo além das pernas quando for tomar empréstimos e 4. preste contas de suas ações com clareza e transparência, tanto para os órgãos de controle quanto para a sociedade.

O fato é que para a surpresa de muitos, acostumados a ver em nosso país tantas leis que não saem do papel, ou, no popular, "não pegam", a LRF, logo nos primeiros anos, atinge boa parte de seus objetivos, notadamente em relação à observância dos limites da despesa com pessoal, o que permitiu uma descompressão da receita líquida e propiciou maior capacidade de investimento público. O regulamento marca avanços também no controle de gastos em fins de gestão e em relação ao novo papel que as leis de diretrizes orçamentárias passaram a desempenhar. O desconto que pode ser dado neste ponto é que o equilíbrio deveu-se mais ao aumento nas receitas do que à racionalização das despesas.

Os Tribunais de Contas do Brasil contribuíram também para os resultados positivos da LRF ao longo desses quinze anos. Mesmo diante da autonomia interpretativa dos dispositivos da lei - nem sempre claros, vale dizer -, pode-se concluir que houve razoável harmonização de conceitos entre os 34 Tribunais de Contas. Celeuma maior ocorreu em relação à contabilização do gasto com inativos e do imposto de renda dos servidores no cálculo da despesa com pessoal. Para o bem da lei, a maioria dos TCs não se inclinou pela flexibilização, posicionando-se, inversamente, por um entendimento mais austero e restritivo. Vale registrar ainda que a contribuição dos Tribunais de Contas para a efetividade da LRF não se esgota neste aspecto. Com efeito, além da prevenção realizada por meio dos alertas de responsabilização, a verificação de irregularidades graves no cumprimento da LRF passou a motivar a rejeição das contas dos gestores, o que, a partir de Lei da Ficha Limpa, vem causando a inelegibilidade de muitos deles, segundo firme jurisprudência da Justiça Eleitoral.

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Não obstante todos os avanços, o momento exige cautela e reflexões. Como toda debutante, a LRF passa por alguns importantes conflitos existenciais. É quase consenso, no meio acadêmico e entre os órgãos de controle, a necessidade de seu aperfeiçoamento em alguns pontos. Repensar a calibragem dos limites de pessoal, por exemplo, considerando a diversidade federativa dos nossos entes e os dados financeiros de todo esse período de apuração, é razoável. Reforçar as regras de endividamento com vistas a banir, com mais rigor ainda, novas tentativas de "pedaladas fiscais", além de vedar mutações legislativas em metas fiscais no curso da própria execução orçamentária são também aprimoramentos necessários contra esses típicos "arroubos da adolescência".

Há que se ponderar, contudo, sobre o melhor (ou o menos ruim) momento para os necessários ajustes normativos. A queda do crescimento econômico gera dimunuição da arrecadação e, naturalmente, provoca uma nova onda de pressão sobre os gastos correntes, incluindo despesas com pessoal. Realizar mudanças permanentes na lei por conta de circunstâncias excepcionais e episódicas não parece recomendar o bom senso. Além da crise econômica, o Brasil vive uma grave crise de natureza política, que ocasiona forte tensão institucional entre o Congresso Nacional e o Governo Federal. Conjugando todos esses fatores, é forçoso concluir que, neste contexto de crise, o risco legislativo é de que "a emenda possa sair pior do que o soneto". Por ora, parece ser mais equilibrado e responsável envidar esforços para conferir eficácia plena aos seus dispositivos, cuidando para garantir vôos mais firmes e sustentáveis ao precioso "pássaro" que já está em nossas mãos.

* Valdecir Pascoal, presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) e do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (atricon@atricon.org.br)

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