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Orçamento secreto viola a Constituição e configura crime de responsabilidade

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Por Ricardo Lodi Ribeiro
Atualização:
Ricardo Lodi Ribeiro. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Tribunal de Contas da União abriu investigação sobre o chamado orçamento secreto, ou tratoraço, a fim de verificar indícios que configurariam um estratagema utilizado pela Presidência da República para distribuir recursos orçamentários destinados aos fins indicados por parlamentares aliados, em relação ao Orçamento da União de 2020.  Se tais suspeitas forem conformadas, a prática configura grave violação à ordem orçamentária estabelecida na Constituição Federal, na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que pode caracterizar crime de responsabilidade previsto na Lei nº 1.079/50 (Lei do Impeachment).

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De acordo com as investigações que o TCU vem realizando, o procedimento de distribuir recursos orçamentários para projetos indicados por parlamentares não se faz por meio das chamadas emendas parlamentares individuais ou de bancadas, que são constitucionalmente previstas para que estes possam atender a demandas específicas de seus representados.  Mas por meio de emendas do relator geral do orçamento, cuja função é a de promover correções de erros ou omissões, e não a distribuição de recursos para finalidades individuais de parlamentares, contornando os critérios objetivos e imparciais e que atendam de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria, como determina o §19 do artigo 166 da Constituição Federal.

Nesse contexto, a atuação do relator geral se deu por meio da abertura de créditos adicionais, cuja precisão nem sempre atendeu às exigências do §4º, do artigo 5º da Lei de Responsabilidade Fiscal,  para financiar programas de trabalho propostos por Prefeituras e prontamente aceitos pelo Governo Federal, a partir da indicação, por meio de ofícios, de parlamentares federais.

Por outro lado, vale lembrar que essas transferências voluntárias de recursos federais aos Municípios, se dão a partir de créditos orçamentários que não identificam nominalmente a localidade beneficiada e os seus beneficiários.  Por isso, a sua execução deve ser precedida, de acordo com o artigo 77 da LDO/2020, Lei nº 13.898/19, da prévia publicação em sítio eletrônico dos critérios de distribuição dos recursos, considerando os indicadores socioeconômicos da população beneficiada pela política pública. É claro que quando esta distribuição atende a critérios meramente políticos, a partir do pedido de parlamentares por ofício, todos esses requisitos legais deixam de ser observados.

O caráter secreto deste procedimento deriva da completa ausência de transparência quanto à sua execução, uma vez que nunca foi dado ao público, sequer por publicação em diário oficial ou sítio a internet, informação sobre os autores dessas indicações e o seu fundamento baseado nos planos de trabalho previamente aprovados. Essa opacidade, além de violar o dever de publicidade que rege toda a administração pública, de acordo com o artigo 37 da Constituição Federal, máxime quando se trata de alocação de recursos orçamentários, contraria também regra que foi reproduzida especificamente em relação à execução do orçamento de dos créditos adicionais pelo artigo 142 da LDO/2020, no que se refere à exigência de publicidade.

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Note-se que o segredo em relação à origem das indicações parlamentares aos órgãos do poder executivo, a partir da utilização genérica de RP9 (emendas do relator geral), sem a publicização sobre quais congressistas indicaram a alocação de que recursos e sobre que fundamento, constitui violação direta do artigo 163-A da Constituição Federal, que obriga a União, bem como os demais entes federativos, a disponibilizar suas informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais, conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União, de forma a garantir a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade dos dados coletados, os quais deverão ser divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público.

Por outro lado, no mesmo dispositivo já citado do artigo 142 a LDO/2020, é expressamente vedada a utilização dos recursos orçamentários e créditos adicionais para influenciar a apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional, o que restará caracterizado se comprovada a mera distribuição desses recursos a partir de indicações parlamentares fora das previsões constitucionais, independentemente da aferição de voto de parlamentar em qualquer votação específica, bastando a comprovação da distribuição indevida por indicação legislativa.

Cumpre destacar que, apesar de tal procedimento vislumbrado pelo TCU precisar ser viabilizado a partir de emendas apresentadas pelo relator geral do orçamento, seu sucesso depende fundamentalmente da anuência do poder executivo, sem a qual seria impossível amarrar os recursos liberados pelos créditos adicionais aos projetos apresentados pelos Municípios e aprovados pelo Governo Federal.  Se comprovada a indicação parlamentar, restará caracterizada, sem qualquer dificuldade, a ilegalidade na execução da lei orçamentária, pelo descompasso entre as suas previsões e a sua aplicação.  De qualquer forma, independentemente da comprovação desta, já é patente que tais transferências voluntárias se deram sem o cumprimento das determinações legais da LDO, no que tange à prévia definição de critérios distributivos.

Portanto, a efetivação de transferência voluntária para os municípios sem a prévia publicação dos critérios distributivos, conforme determinado pelo artigo 77 da LDO/2020, configura a tipificação do crime de responsabilidade do item 12 do artigo 10 da Lei nº 1.079/50, independentemente de restar comprovação de indicação indevida do destino dos recursos por parlamentares.

Comprovada a indicação ilegal da aplicação de recursos por parlamentares, restará também configurado o crime de responsabilidade previsto no item 4 do mesmo dispositivo legal, por ter violado a lei orçamentária anual, pelo descompasso entre suas previsões e sua execução, bem como a lei de diretrizes orçamentária, que pugna pela transparência e veda a utilização de recursos orçamentários para influenciar decisões parlamentares, além da própria Constituição, consagradora do princípio da publicidade e do caráter equânime e objetivo da distribuição dos recursos relativos às emendas parlamentares.

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Em qualquer dos dois casos, restaria delineado o embasamento legal para o impeachment do Presidente da República, sem falar da rejeição das suas contas no exercício de 2020 por parte do TCU e do Congresso Nacional.

*Ricardo Lodi Ribeiro, professor associado de Direito Financeiro da UERJ. Advogado

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