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Orações: bom senso e responsabilidade

Por Cecilia Mello e Luiza Gervitz
Atualização:
Cecilia Mello e Luiza Gervitz. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O atual momento de profunda e inusitada apreensão diante da propagação do vírus da covid-19 gerou uma crise de saúde pública mundial sem precedentes, que escancara a vulnerabilidade e a impotência das mais grandiosas nações. A velocidade da disseminação impõe aos governos a necessidade de respostas rápidas e eficazes - verdadeiros desafios estratégicos - enquanto a população deglute com dificuldade as reiteradas restrições diárias que se impõem.

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Natural e humano, especialmente neste momento, que ocorra uma exacerbação da fé e da procura de amparo e consolo espiritual por parte de uma população que há anos se vê segregada em camadas sociais tão díspares e tão distantes. Se a epidemia teve início no pequeno ápice da pirâmide social, a sua propagação, em larguíssima escala, tende a atingir as suas bases mais carentes e populosas que não sabem se podem e se tem com o que contar. De qualquer forma, justamente em nome daqueles que poderão experimentar o mais árduo enfrentamento dessa crise, nenhuma aglomeração, nenhuma, independentemente de seu fim, deve ser tolerada em tempos de pandemia, nem mesmo para a oração.

No país, desde o reconhecimento da pandemia pela OMS, as políticas públicas avançaram a passos largos e, da mesma forma, as restrições. A Lei 13.979, de 6 de fevereiro, estabelece a adoção de medidas de enfrentamento de emergência de saúde pública direcionadas ao combate da covid-19. Sua regulamentação vem ocorrendo quase que diariamente por meio da edição de atos específicos. Dentre eles, a Portaria 356, de 11 de março, que aborda os principais procedimentos para execução da Lei, e a Portaria Interestadual 5, de 17 de março, dos Ministérios da Saúde e da Justiça, da qual se destaca a responsabilizaçãocivil, administrativa e penal daqueles que descumprirem a normativa. Na esfera criminal, a Portaria é clara ao dispor a sujeição dos infratores às sanções dos artigos 268 e 330 do Código Penal, se o fato não configurar crime mais grave. Os delitos apontados são, respectivamente: (i) infração de medida sanitária preventiva, caracterizada pela violação, descumprimento ou transgressão de determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa (ii) desobediência, caracterizada pela resistência ou infração à ordem de funcionário público. Ambos os delitos são infrações de menor potencial ofensivo, eis que estabelecidas penas máximas, respectivamente, de um ano de detenção e multa e seis meses de detenção e multa, sabendo-se que a pena será substituída por outras alternativas, como prestação de serviços à comunidade e multa, salvo hipótese excepcional.

Dada a propagação aérea do vírus, o distanciamento entre as pessoas e a consequente diminuição na circulação, são fatores indispensáveis para a contenção, de modo que nos âmbitos estadual e municipal, Decretos e Portarias somam-se gradativamente, culminando em uma inevitável e generalizada perda de liberdade em prol do bem comum, a saúde pública.

Em 16 de março, o prefeito Bruno Covas declarou estado de emergência na cidade de São Paulo, suspendendo atividades públicas diversas. Embora o enfoque do Decreto sejam atividades culturais e de lazer, os líderes católicos, a exemplo da atitude mundialmente adotada, suspenderam voluntariamente as cerimônias coletivas. De outro lado, sem restrição expressa e efetivamente decretada, alguns líderes religiosos negam-se efusivamente a cancelar os eventos coletivos e presenciais.

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A míngua de proibição expressa, em princípio a conduta dos líderes religiosos não configura crime para fins da Portaria 5, mas a o marco divisório da  (i)legalidade é tênue, pois em aglomerações o contágio é certo, ainda que as pessoas estejam unidas pela fé, como comprova a experiência recente do pastor sul-coreano Lee Man-Hee, cuja teimosia e irresponsabilidade expôs milhares de fiéis.

No momento, até a oração deve ser estimulada em isolamento. E, muito embora a efetividade das medidas penais dependa de diretrizes administrativas definidas, atitudes de colaboração e proteção da saúde pública pressupõem apenas bom senso e responsabilidade, especialmente por parte daqueles que, de alguma forma, apresentam maior poder ou capacidade de convencimento sobre a coletividade.

*Cecilia Mello é criminalista, sócia do Cecilia Mello Advogados. Foi desembargadora por 14 anos no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3); Luiza Gervitz é criminalista do escritório Cecilia Mello advogados

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