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Operação Hipócritas, da Procuradoria e da PF, mira em 40 por fraudes em perícias médicas

Mais de 200 agentes federais cumprem 92 mandados de buscas e condução coercitiva e mais três de prisão preventiva em vinte cidades do interior de São Paulo

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Foto do author Fausto Macedo
Por Mateus Coutinho , Julia Affonso e Fausto Macedo
Atualização:

O Ministério Público Federal em Campinas e a Polícia Federal deflagraram nesta terça-feira, 31, a Operação Hipócritas para apurar a fraude de perícias médicas para beneficiar grandes empresas em ações trabalhistas no Estado de São Paulo. Mais de 200 agentes da PF cumpremem 20 cidades do Estado de São Paulo três mandados de prisão preventiva, 40 de condução coercitiva e 52 de busca e apreensão decretados pela 1ª e 9ª varas federais de Campinas a pedido do MPF.

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As investigações da Operação Hipócritas foram realizadas exclusivamente pelo MPF até agora e consistem da maior investigação já realizada no país para apurar a cooptação de peritos médicos judiciais por médicos assistentes técnicos, a serviço de escritórios de advocacia contratados por grandes empresas, resultando em perdas para trabalhadores afastados de suas funções por conta de doenças ou acidentes relacionados à sua vida laboral e para a Justiça, que arca com as perícias da maioria dos trabalhadores que perdem as ações na Justiça do Trabalho em virtude dos laudos fraudados.

O esquema de corrupção de médicos peritos judiciais funciona pelo menos desde 2010 e foi detectado tanto em processos que tramitam nas varas do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, sediado em Campinas, como no da 2ª Região, localizado em São Paulo, e que têm atribuição territorial sobre todo o Estado de São Paulo.

As ações atingem 20 cidades: Americana, Guarulhos, São Paulo, Campinas, Indaiatuba, Jaguariúna, Barueri, Piracicaba, São Bernardo do Campo, Jundiaí, Sumaré, Limeira, Casa Branca, Valinhos, Paulínia, São Roque, Bragança Paulista, Itu, Sorocaba e São Caetano do Sul. Dez procuradores, de Campinas e outras cidades do Estado, participam das diligências, observando o cumprimento dos mandados pela PF, bem como acompanhando os depoimentos dos investigados que tiveram a condução coercitiva decretada pela Justiça.

O MPF ressalta que as pessoas investigadas até o momento são apenas suspeitas e o material colhido pela Polícia Federal nas diligências poderá reforçar as provas até agora obtidas. Contudo, um dos médicos peritos investigados é suspeito de ter solicitado ou recebido vantagem indevida em mais de 100 perícias. Se a Operação Hipócritas comprovar esta situação, apenas este envolvido pode ser condenado a mais de 200 anos de prisão.

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A Operação Hipócritas já constatou a ocorrência de pelo menos quatro crimes: falsa perícia (artigo 342 do Código Penal), corrupção de perito judicial (artigo 343 do Código Penal), corrupção passiva e ativa (artigos 317, §1º, e 333, ambos do Código Penal) e lavagem de dinheiro (artigo 1º da Lei 9.613/98). Além disso, novos crimes poderão ser descobertos no curso das investigações, que se iniciaram após denúncia do Sindicatos dos Metalúrgicos ao Ministério Público do Trabalho e de uma representação de um juiz de Direito do interior do Estado.

Há suspeita de que diversas empresas foram beneficiadas pelo esquema de corrupção de peritos médicos na Justiça do Trabalho: empresas de pequeno, médio e grande porte, dentre as quais multinacionais e gigantes do setor automobilístico.

As empresas suspeitas de terem sido beneficiadas e que tiverem a intenção de colaborar com as investigações, notadamente pelos seus setores de compliance, poderão procurar o Ministério Público Federal com esta finalidade. O mesmo pode ser feito por aquelas que foram procuradas por advogados ou médicos interessados em mediar propinas para os peritos, mas que não aceitaram as propostas.

O esquema. A rede de corrupção desvendada pelo MPF envolve, além dos próprios peritos judiciais (nomeados pelo juízo para uma análise independente do caso), assistentes técnicos (médicos auxiliares contratados pelas partes), advogados e representantes de empresas.

O papel de pivô do esquema, em síntese, é exercido pelo assistente técnico. Este profissional é o elo de ligação entre a parte interessada em ser favorecida no laudo pericial (geralmente uma empresa) e o perito judicial que aceita receber vantagem indevida com esta finalidade.

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O assistente técnico geralmente conta com a confiança da parte que o contratou e, valendo-se desta relação, oferece o suborno ao perito judicial e intermedeia o pagamento pelo laudo forjado, quando aceito. Segundo o MPF, verificou-se que algumas empresas recorriam frequentemente à corrupção de peritos sempre que possível.

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Por vezes, as tratativas do assistente técnico com a empresa sobre a propina paga ao perito eram realizadas com a intermediação do advogado do interessado, que informava à empresa a possibilidade de corrupção ou não. Em alguns casos analisados, alguns advogados eram conhecedores do esquema de corrupção e dos assistentes técnicos e peritos que eram a ele adeptos, e tratavam das propinas com naturalidade.

O assistente técnico também é o responsável por fazer a aproximação com o perito judicial e oferecer a propina. A investigação revelou que um dos assistentes técnicos conhecia diversos peritos adeptos ao esquema de corrupção e muitas vezes fez, em nome destes, a solicitação de propina às empresas que aquele assistia nos processos. Nos casos em que as empresas aceitaram o pagamento, os laudos periciais lhes foram favoráveis. Em outros, as empresas que recusaram a proposta tiveram laudos periciais prejudiciais. Houve, também, processos em que o perito judicial recusou as investidas do assistente técnico. O pagamento da vantagem indevida ao perito geralmente era feito em espécie, entregue pessoalmente pelo assistente técnico nomeado pelas empresas.

Sistêmico. Para o procurador da República Fausto Kozo Kosaka, que coordena a investigação, "a atual sistemática de atuação e de remuneração de peritos na Justiça do Trabalho estabelece um cenário que prejudica a imparcialidade dos laudos periciais e fomenta a prática de delitos como os investigados nesta operação".

Isto é causado, avalia o procurador, pela possibilidade que um profissional que atue como perito judicial possa atuar como assistente técnico nomeado por uma parte, desde que em órgãos judiciários e processos distintos. "Esta situação cria uma certa relação de promiscuidade entre tais profissionais, que por vezes alternam as funções de perito e assistente técnico em diferentes processos. Esta 'mescla' de tarefas facilita o esquema de corrupção e prejudica a imparcialidade do perito", avalia Kosaka.

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A forma de remuneração do perito judicial é outro problema, avalia o procurador. Se o perito judicial apresenta um laudo totalmente favorável à empresa, o juiz determina que o trabalhador pague os honorários periciais. Como o trabalhador geralmente é beneficiário de justiça gratuita, os honorários são custeados pelo Poder Judiciário, em cerca de R$ 700,00 a R$ 1.500,00, a serem pagos mediante requisição de pagamento e o perito pode levar até dois anos para receber o valor.

Por outro lado, se o perito judicial apresenta um laudo totalmente favorável ao trabalhador, o juiz determina que a empresa pague os honorários periciais, geralmente fixados entre R$ 2.000,00 a R$ 5.000,00, e recebidos pelo perito, à vista, no final do processo. Muitos peritos aceitaram a propina como "compensação" entre o valor que receberia da Justiça e o que poderia receber da empresa caso emitisse um laudo isento e a parte processada fosse condenada.

Nome. O nome da operação faz alusões ao juramento de Hipócrates, feito por todos os médicos ao se formarem no qual prometem exercer a medicina honestamente e não causar mal a outrem, e também ao comportamento de muitos dos investigados que, em grupos profissionais, se manifestavam contra a corrupção de agentes públicos e políticos, mas que cometiam atos de corrupção nas perícias médicas que realizavam.

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