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Obras paradas e dispute boards ameaçados

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Por Ane Elisa Perez e Ricardo Medina Salla
Atualização:
Ane Elisa Perez e Ricardo Medina Salla. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Foi publicado, neste mês,o Decreto nº 60.067/2021, que regulamenta a Lei nº 16.873, de 22 de fevereiro de 2018, que dispõe sobre a adoção dos comitês de prevenção e solução de disputas em contratos de obras públicas e de execução continuada celebrados pela Administração Pública Direta e Indireta do Município de São Paulo.

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O Novo Decreto vem no momento em que o Brasil e o mundo buscam, sobretudo no setor de infraestrutura, reduzir as polarizações e promover maior diálogo entre contratado e contratante, com vista a sanar, de modo célere e efetivo, os problemas comumente surgidos em grandes obras.

Por mais precisos que possam ser os projetos, as empreitadas acabam por esbarrar em imprevisões, achados arqueológicos, variações geológicas, adversidades econômicas, sociais e políticas que afetam a boa execução da obra, e colocam em xeque a relação entre as partes.

E é aí que entram os tais comitês, também conhecidos como Dispute Boards. A instalação desses comitês não só permite a solução quase que imediata de litígios em obras, mas também, e principalmente, a prevenção das mais diversas controvérsias que invariavelmente surgem ao longo dos trabalhos. As obras ganham fluidez e voltam a avançar no ritmo e no orçamento para os quais foram planejadas.

Nesse contexto de gerenciamento de risco e diminuição da insegurança de contratar, e em um cenário no qual as obras públicas e privadas crescem aos montes, insere-se o novo Decreto paulistano, oferecendo uma alternativa ao moroso e burocrático aparato judicial e, até mesmo, à complexidade das arbitragens advindas das contratações públicas do Município de São Paulo.

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Apesar dos muitos pontos positivos trazidos pelo novo Decreto, algumas determinações acabaram deixando a desejar, principalmente a de seu art. 2º, que restringe a utilização dos comitês a contratos com valores iguais ou superiores a R$ 200 milhões de reais. Trata-se de critério desarrazoado que, além de praticamente engavetar a ferramenta, escapa às principais recomendações internacionais

Para elucidação, o Banco Mundial propõe que os dispute boards sejam empregados em contratos com valores abaixo de U$ 20 milhões dólares. De maneira similar, as orientações da reputada FIDIC (Fédération Internationale des Ingenieurs Conseils), que fornece importantes parâmetros contratuais para as grandes obras de engenharia a nível global, primam pelo uso do dispute board em contratos com valores significativamente menores do que o exigido pelo Decreto nº 60.067/2021.

A determinação do Decreto foge inclusive da realidade municipal, onde projetos de considerável relevância para a população paulistana possuem valor bem abaixo da monta exigida pela norma. É o caso, por exemplo, da concessão para recuperação, reforma, requalificação, operação, manutenção e exploração do Mercado Municipal de São Paulo (concorrência n° 001/SMDE/2018) e a concessão para a prestação dos serviços de gestão, operação e manutenção dos Parques Municipais Prefeito Mário Covas e Tenente Siqueira Campos - Trianon (concorrência nº 020/SGM/2020). Ambos deixam de ser elegíveis para a utilização dos dispute boards para a prevenção e solução de conflitos. A cidade perde a chance de se valer de um mecanismo extremamente eficiente, e que, há pouco tempo, fez entusiasmar a comunidade com o protagonismo da lei 16.873/2018.

O que se tem, então, é que a disposição do novo Decreto acabará por engessar a utilização dos dispute boards, quando, ao contrário, deveria privilegiar a maleabilidade para o emprego efetivo do método nas contratações. O que era para ser uma solução, portanto, parece ser um retrocesso, sobretudo porque a cidade estava próxima de se destacar como exemplo positivo ao país, que sofre com o conhecido caos de obras não-concluídas. Impossível esquecer que, somente em 2018, o Brasil já padecia com pelo menos 12 mil obras paradas, segundo dados do Tribunal de Contas da União.

A cidade de São Paulo não pode deixar a iniciativa de vanguarda esmorecer para, agora, tornar-se antagonista de seu próprio pioneirismo. Os Dispute Boards são muito mais que uma a boa alternativa à judicialização dos conflitos de obras. São mecanismos prestam ao máximo atendimento do interesse público, uma vez que beneficiam o empreendimento e, por consequência, contribuem para que a coletividade possa, finalmente, aproveitar dos equipamentos públicos, sem forçá-la a conviver com entulhos custosos.

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Urge corrigir o Decreto para que a boa inovação não se torne apenas um papel perdido nos escaninhos da prefeitura.

*Ane Elisa Perez, sócia do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques; Ricardo Medina Salla, sócio do Toledo Marchetti Advogados

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