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Objetivo é proteger a criança, afirma defensor sobre lei que beneficiou Adriana Ancelmo

Para o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, Emanuel Queiroz, decisão que converteu prisão preventiva da mulher de Sérgio Cabral (PMDB) em domiciliar foi ‘acertadíssima’ na aplicação do Direito

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Por Julia Affonso
Atualização:

Adriana Ancelmo Foto: Estadão

O Estatuto da Primeira Infância, que permitiu à ex-primeira-dama do Rio Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), ter sua prisão preventiva transformada em domiciliar, tem a missão 'proteger a criança'. O foco, segundo o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, Emanuel Queiroz, vai além do 'ser humano mãe e pai'.

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"A maioria das pessoas, dos garotos que estão presos, vem de famílias desestruturadas. O objetivo da lei é fazer com que essa família não se desestruture para que essa criança no futuro não seja um cliente da Justiça criminal", afirma Emanuel Queiroz.

"Para mim, essa decisão (Adriana Ancelmo) é ótima, fantástica na perspectiva, eu não conheço o processo. Na perspectiva da aplicação do Direito é acertadíssima."

Adriana Ancelmo, alvo de prisão preventiva na Operação Calicute, recebeu da Justiça o benefício da prisão domiciliar com base no Estatuto da Primeira Infância, que alterou o Código de Processo Penal (CPP). A legislação estabeleceu que presas com filhos menores de 12 anos podem ter a custódia preventiva transformada em domiciliar. Adriana e Sérgio Cabral têm um filho de 11 anos e outro de 14.

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Na Defensoria Pública do Rio, esta luta é antiga, afirma Emanuel Queiroz. E começou com as gestantes e lactantes.

Entre novembro de 2015 e fevereiro deste ano, a Defensoria conseguiu a revogação da prisão ou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para 16 mulheres grávidas privadas de liberdade. O levantamento da Coordenação de Defesa Criminal do órgão aponta que o número se refere ao universo de 35 pedidos de. Segundo a consulta, o sistema prisional tinha 62 gestantes neste período - 50 delas foram assistidas pela Defensoria.

VEJA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA COM O DEFENSOR EMANUEL QUEIROZ

ESTADÃO: A conversão da prisão cautelar em domiciliar, baseada no Estatuto da Primeira Infância, é comum?

COORDENADOR DE DEFESA CRIMINAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO, EMANUEL QUEIROZ: Primeiro a gente tem que entender que são dois universos diferentes. Uma coisa é a Estadual e outra a Federal, que é aonde este caso famoso transita. Não tenho nenhuma experiência na Justiça Federal. Mas tradicionalmente, o ambiente da Justiça Federal, os direitos são mais respeitados. Na Justiça Estadual, que tem competência para julgar a criminalidade comum, os direitos são muito menos respeitados. Tem esse diferencial. Houve uma alteração, pelo Estatuto da Primeira Infância, em março de ano passado, que alterou o artigo 318 no Código de Processo Penal, que permite ao juiz substituir, nos casos enumerados, a prisão provisória e preventiva pela domiciliar. O que tem que ficar bem claro é que somente a prisão processual que pode ser substituída pela domiciliar. A lógica da lei é completamente acertada, de proteção da criança. O objeto da lei não é só proteger o ser humano mãe ou o ser humano pai, no caso de ele ser a única pessoa que pode ficar com a criança. É proteger a criança. Mesmo porque a experiência na atividade penitenciária mostra que a maioria das pessoas, dos garotos que estão presos, vem de famílias desestruturadas. O objetivo da lei é fazer com que essa família não se desestruture para que essa criança no futuro não seja um cliente da Justiça criminal. Faz todo sentido essa construção.

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ESTADÃO: Como a Defensoria do Rio tem atuado?

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EMANUEL QUEIROZ: Antes da Lei da Primeira Infância, já existia a previsão da questão da gestante. A gestante poderia ter direito à prisão domiciliar. Desde outubro de 2015, mesmo antes do advento da lei, a gente começou a trabalhar um protocolo de identificação das presas gestantes e deflagrar pedidos de substituição da prisão preventiva pela domiciliar no âmbito das presas gestantes e lactantes. Esse trabalho vem ganhando espaço a cada mês. São impressionantes os índices de soltura neste ano de 2017. Aumentaram diante do ano anterior. Os promotores e juízes começam a ter uma consciência de que o encarceramento feminino nesta situação é um absurdo. A gente colocou nossa força de trabalho, de início, para as gestantes e lactantes. A gente foi identificando os casos das mães e foi deflagrando os pedidos, mas não tivemos condições de mapear todo esse universo, que é maior. Hoje, no Rio de Janeiro, já é comum ter grávida e lactante em prisão domiciliar presa provisória. Com relação às mães de crianças de 12 anos, a nossa maior dificuldade na Defensoria é que nosso público é outro.

ESTADÃO: Quais são os principais obstáculos?

EMANUEL QUEIROZ: Conseguir documento. A gente trabalha com a miséria plena. Nós não conseguimos com que as famílias nos levem a documentação. O aprisionamento feminino tem uma característica que é o abandono. As mulheres presas, em sua maioria, foram levadas ao crime pelos seus companheiros. Isso já as distancia das famílias, que não aceitam o relacionamento. Quando elas são privadas de liberdade, elas são abandonadas, completamente largadas. Para mim, essa decisão (Adriana Ancelmo) é ótima, fantástica na perspectiva, eu não conheço o processo. Na perspectiva da aplicação do Direito é acertadíssima. A gente sofre muito. Eu atendo uma mulher, identifico que ela é mãe de uma criança até 12 anos e peço um telefone. Quando ela me dá um telefone que atende, muitas das famílias não atendem meus pedidos de levar a documentação. Eu só quero uma certidão de nascimento para provar que ela é mãe e um comprovante de residência. Como ela tem um convívio péssimo com a família, a maioria das famílias não atende. Isso quando elas têm um telefone. Quando elas não têm um telefone, elas me dão um endereço que invariavelmente os Correios me devolvem a carta, porque é lugar de risco e os Correios não entram. Eu fico sem ter sequer como demonstrar que ela é mãe, provar ao juiz que ela é mãe e provar que ela tem um domicílio para que o juiz analise ou não se ela tem esse direito. Na perspectiva da defesa da maioria das mulheres, a nossa situação é muito mais difícil, mais grave, mais delicada.

ESTADÃO: Há muitos casos de crianças sem certidão de nascimento?

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EMANUEL QUEIROZ: No Rio de Janeiro, a gente trabalha com a questão do subregistro de nascimento há anos. Existe uma expectativa de você ter 3%, 4%, 5% de pessoas presos que não possuem registro civil de nascimento. Se o preso e a presa não têm registro civil de nascimento, por consequência, o filho não terá. A situação é muito mais grave.

ESTADÃO: O sr espera que o caso Adriana Ancelmo vire um precedente para outras mulheres presas?

EMANUEL QUEIROZ: Espero que sim, mas já existe precedente. Tenho vários casos desses, mas que são insignificantes no universo de mulheres presas. A criminalidade que as nossas assistidas são acusadas é criminalidade violenta. O juiz tende a não conceder esse direito. É diferente das imputações da ex-primeira-dama, que são crimes que não são praticados com violência. Para a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, essa decisão é importante para botar luz nesse problema, sob o problema do aprisionamento feminino, sob essa questão de como lidar com a prole quando a mãe é presa. O Brasil é deficitário no cumprimento das regras de Bangkok, as regras da ONU que tratam sobre o aprisionamento feminino. Para a Defensoria, que luta contra o aprisionamento massivo, essa decisão certamente se torna um paradigma. A gente espera que ajude os outros juízes a se orientar por ela.

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