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O uso da máscara de proteção e o Direito Penal. É crime não usá-la em locais públicos ou abertos ao público?

Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:
César Dario Mariano da Silva. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Dificilmente alguém não se sente incomodado ou inseguro quando se depara com um corredor que passa ao seu lado esbaforido e sem usar máscara de proteção. Ou quando se encontra em local fechado próximo a uma pessoa com a máscara no queixo ou de outra forma a simular estar a tapar sua boca e nariz.

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O uso da máscara de proteção pode não lhe de proteger totalmente do vírus, mas é demonstração de respeito e propicia maior segurança para quem está próximo.

Dentro desta lógica, foi publicada a Lei nº 14.019, de 2 de julho de 2020, que alterou e acrescentou dispositivos à Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, tornando obrigatório o uso de máscara de proteção individual (artesanal ou industrial), que mantenha a boca e nariz cobertos, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos, bem como em veículos de transporte remunerado privado individual de passageiros por aplicativo ou por meio de táxis, e ônibus, aeronaves ou embarcações de uso coletivo fretados, dentre outros locais fechados e abertos ao público onde haja aglomeração de pessoas (art. 3º-A).

A pessoa que descumprir a regra estará sujeita ao pagamento de multa a ser definida e regulamentada pelo ente federado competente; o valor ainda será majorado se a infração ocorrer em local fechado ou se o infrator for reincidente (§ 1º), mas não será exigível das pessoas economicamente vulneráveis, como os moradores de rua (§ 6º).

Em diversos artigos e publicações deixei claro que só poderia haver a punição penal para aquele que não usasse máscara de proteção em locais públicos e abertos ao público com o advento de norma federal que tornasse obrigatório o uso. Com a publicação da nova legislação, o artigo 268 do Código Penal, que é norma penal em branco, está complementado. Diz o tipo: "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena: detenção, de um mês a um ano, e multa".

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A norma penal tem como bem jurídico protegido a saúde pública, que nada mais é do que a saúde de toda a coletividade. A saúde é um direito social de todo indivíduo previsto no art. 6º da Constituição Federal, cabendo ao Estado sua concreção. A saúde pública é um bem difuso, mas perceptível concretamente. É função do Estado proteger a coletividade das condutas que possam atingir ou colocar em risco a saúde física e mental dos indivíduos.

No caso, o legislador, dentro de sua competência constitucional, elaborou norma com conteúdo administrativo e penal no sentido de que coloca em risco a coletividade aquele que transita em locais públicos ou abertos ao público, descritos no artigo 3º-A da Lei 13.979/2020, sem usar máscara de proteção individual, que cubra as vias respiratórias. Assim, não basta o uso da máscara pura e simplesmente. Deve ela cobrir as vias respiratórias de modo a proteger da contaminação pela Covid-19, tanto o usuário, quanto as demais pessoas. Por isso, usar a máscara de proteção "no queixo", sem cobrir as vias respiratórias, equivale a estar sem ela.

Como o crime é de perigo abstrato, não há necessidade da ocorrência e nem da demonstração de efetivo perigo de dano, que é presumido pela lei de forma absoluta, não admitindo prova em contrário. Por isso, o sujeito não precisa estar infectado. Basta que descumpra o determinado pelo poder público para conter a doença. Essa é a finalidade da norma. Obrigar a todos a usar a máscara nos locais descritos na norma, já que não é possível saber quem está, ou não, contaminado.

Cuidando-se de crime de perigo coletivo, para sua configuração é exigido que número indeterminado de pessoas seja exposto a perigo de dano. Dessa forma, a ausência do uso da máscara em local privado não configura o crime.

Pouco importa, portanto, que uma ou mais pessoas sejam efetivamente contaminadas, já que se trata de crime formal, que independe da produção de qualquer resultado naturalístico.

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No caso em comento, o crime de desobediência (art. 330 do CP), que é subsidiário, não poderá ser aplicado. A doutrina e a jurisprudência entendem que este delito não incide quando a norma civil ou administrativa cominar expressamente sanção ao desobediente sem fazer ressalva quanto ao delito de desobediência, o que ocorre na hipótese em comento.

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Quanto ao crime de infração de medida sanitária preventiva, a cominação ou aplicação de multa administrativa não é prejudicial à adequação típica (formal e material), uma vez que há independência entre as esferas penal e administrativa. Ademais, não existe nenhuma norma legal que afaste a ocorrência deste delito, que prescinde da produção de resultado naturalístico, que é presumido pela lei de forma absoluta (crime formal e de perigo abstrato).

É claro que haverá situações em que não ocorrerá o delito, como nos casos de moradores de rua, doentes mentais e outras pessoas que não possuam condições de adquirir ou obter as máscaras de proteção e nem de se comportar de acordo com o legalmente exigido. O próprio § 7º, do artigo 3º-A da lei em comento dispensa o uso da máscara para pessoas com transtorno do espectro autista, com deficiência intelectual, com deficiências sensoriais ou com quaisquer outras deficiências que as impeçam de fazer o uso adequado de máscara de proteção facial, conforme declaração médica, que poderá ser obtida por meio digital, bem como no caso de crianças com menos de três anos de idade.

Anoto que a análise que faço é eminentemente técnica/jurídica. Não entro na questão da efetividade, ou não, do uso da máscara de proteção em locais abertos ou sem aglomeração, que foge ao meu conhecimento.

Com efeito, o descumprimento da determinação legal de usar máscara de proteção em locais públicos ou abertos ao público (descritos na norma) poderá configurar o crime tipificado no art. 268 do Código Penal, desde que não constitua delito mais grave, permitindo o encaminhamento, mesmo que compulsório (dentro de critérios de razoabilidade e proporcionalidade), do autor do fato ao Distrito Policial para a lavratura de termo circunstanciado, nos termos da Lei nº 9.099/1995.

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*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito PenalLei de Execução Penal ComentadaProvas IlícitasEstatuto do DesarmamentoLei de Drogas Comentada e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora

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