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O tratamento fiscal da variação cambial na tributação do patrimônio de pessoas físicas no exterior

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Por Vanessa Scuro e Luiz Rafael M. Mansur
Atualização:
Vanessa Scuro e Luiz Rafael M. Mansur. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Com a postergação do prazo para a entrega da Declaração de Ajuste do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) à Receita Federal do Brasil (RFB), para 30 de junho de 2020, as pessoas físicas residentes fiscais no Brasil ganharam mais tempo para se organizar e colher as informações necessárias ao cumprimento desta obrigação.

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Para aquelas pessoas que possuem bens, direitos ou investimentos no exterior, um tema que sempre causa dúvidas é o tratamento fiscal da variação cambial. Para fins da DIRPF, a variação cambial é a diferença do valor apurado com a conversão de determinada moeda estrangeira para o real, para a qual devem ser convertidos os valores dos bens, direitos e investimentos originalmente adquiridos em moeda estrangeira.

O tratamento fiscal da variação cambial está diretamente ligado a outro importante conceito fiscal, o do ganho de capital, que é o rendimento obtido da diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda de determinado bem ou do valor do investimento financeiro original e a quantia resgatada.

Assim, por exemplo, se determinada pessoa física, residente fiscal no Brasil, possuía um apartamento em outro país adquirido originalmente por US$ 300 mil e o vendeu no decorrer do ano de 2019 por US$ 500 mil, auferiu um ganho de capital de US$ 200 mil. Porém, ao converter de dólares para reais, o contribuinte verificará que seu ganho de capital é ainda maior, uma vez que, quando da aquisição do imóvel por US$ 300 mil, a moeda americana equivalia a R$ 2,50, ou seja, um custo de aquisição de R$ 750 mil. Contudo, no momento da alienação do referido apartamento, por US$ 500 mil, a cotação da moeda americana passou a valer R$ 3,50. Ou seja, a venda se deu por valor equivalente a R$ 1.750.000,00, perfazendo um ganho de capital de R$ 1 milhão (diferença entre o custo de aquisição e o valor de venda) e, portanto, um imposto de R$ 150 mil a pagar. Mas, se a variação cambial do ganho de capital fosse apurada apenas em dólares, e só então convertida para reais, o ganho de capital auferido seria de R$ 700 mil (US$ 200 mil x R$3,50 = R$ 700 mil), ou seja, um ganho de capital R$ 300 mil menor e, portanto, um imposto de R$ 105 mil, equivalendo a um decréscimo de R$ 45 mil de imposto.

E aí fica a pergunta: como deve ser tributado o ganho de capital, com ou sem a variação cambial? De acordo com o Regulamento do Imposto de Renda de 2018 e a Instrução Normativa SRF nº 118 de 2000, devem ser consideradas as seguintes situações:

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a) Aquisição ocorrida com rendimentos auferidos originalmente em reais: o ganho de capital deverá ser apurado em reais, ou seja, a variação cambial também fará parte dos ganhos e/ou perdas decorrentes da liquidação do bem, direito ou aplicação financeira. Portanto, no exemplo acima, caso o apartamento tivesse sido adquirido através de remessa de recursos do Brasil com realização de câmbio, a variação cambial deveria ser computada no cálculo do ganho de capital, já que este seria o resultado da diferença entre o valor de venda e o custo de aquisição, ambos convertidos para reais em suas respectivas datas. 

b) Aquisição ocorrida com rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira: o ganho de capital deverá ser auferido na moeda estrangeira e convertido para reais na data da realização da operação. Tomando por base mais uma vez o exemplo do apartamento no exterior, se a aquisição fosse proveniente de recursos auferidos originalmente em moeda estrangeira, a variação cambial positiva entre o valor do dólar na aquisição e na alienação do imóvel não se somaria ao ganho de capital auferido na operação. 

c) Aquisição ocorreu com rendimentos auferidos originariamente parte em reais e parte em moeda estrangeira: o cálculo do ganho de capital deve ser feito de forma proporcional, aplicando-se a cada montante o respectivo método.

d) Moeda estrangeira em espécie: para a apuração do ganho de capital na alienação de moeda em espécie, a regra será a da aquisição através de recursos obtidos originalmente em reais, ou seja, não haverá isenção para a variação cambial. Para venda de moeda estrangeira em espécie adquirida em etapas, deverá ser considerada a média ponderada do seu custo de aquisição. E a legislação ainda prevê a isenção de tributação sobre o ganho de capital na venda de moeda estrangeira em espécie sempre que, no decorrer do ano-calendário, a soma de todas as alienações de moeda estrangeira for inferior a US$ 5 mil.

e) Contas de depósito não remunerado: a legislação prevê isenção para o acréscimo patrimonial em reais decorrente da variação cambial de depósitos mantidos em instituições financeiras no exterior. Dessa forma, na DIRPF o ganho de capital com variação cambial de conta de depósito não remunerado deverá ser incluído nos rendimentos isentos e não tributáveis.

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No mais, é importante ressaltar que o Brasil adota como moeda-padrão de conversão de moedas estrangeiras o dólar americano (USD). Desta forma, sempre que o bem, direito ou aplicação financeira for adquirido em outra moeda estrangeira, deverá, primeiramente, ser convertido para o dólar americano e, na sequência, para o real, pela cotação oficial que poderá ser encontrada no site do Banco Central do Brasil.

Por fim, registre-se que, se os bens, direitos ou investimentos forem titulados no exterior por meio de uma pessoa jurídica, na DIRPF deverá constar apenas a participação societária naquela empresa.

Estes são os apontamentos que consideramos mais relevantes para se entender os efeitos tributários da variação cambial, sem a pretensão de esgotarmos o tema.

*Vanessa Scuro, sócia do Melcheds - Mello e Rached Advogados, especializada em Direito Processual Civil e em Direito de Família e de Sucessões

*Luiz Rafael M. Mansur, tributarista do Melcheds - Mello e Rached Advogados

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