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O STJ, as 'rachadinhas' e a decisão per relationem: eis as questões

Por Eduardo Samoel Fonseca e Gilney Batista de Melo
Atualização:
Eduardo Samoel Fonseca e Gilney Batista de Melo. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Responsável pela uniformização da interpretação de lei federal em todo território nacional, o Superior Tribunal de Justiça - através de sua 5.ª Turma - deu provimento ao Recurso em Habeas Corpus (n.º 124.461) movido pela defesa do Senador Flávio Bolsonaro e anulou decisões proferidas pelo juízo de primeiro grau que havia autorizado quebras de sigilo fiscal e bancário no bojo da investigação que apura a prática do crime de peculato, popularmente conhecido como o caso das "rachadinhas" envolvendo Deputados e pessoas nomeadas para ocupar cargos de confiança na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

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Vencido apenas o min. Felix Fischer, relator do caso, a turma entendeu que o magistrado da 27.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro deferiu a quebra sem justificar a medida, tendo ele apenas se limitado a acolher argumentação per relationem, o que consiste em adotar as razões do órgão de acusação como razão para decidir.

A par dos efeitos de tal decisão para o caso do Senador - até porque será necessário avaliar quais provas derivam do (ilegal) acesso às movimentações fiscais dos investigados/acusados e de que modo foram utilizadas para lastrear a denúncia -, o fato é que o STJ da vida a uma importante garantia estabelecida no art. 93, IX, da Constituição Federal, consubstanciada no dever de motivação dos provimentos jurisdicionais.

Não havendo nenhum direito absoluto, a restrição a direitos e garantias individuais se faz presente através do due process of law, tornando-se possível que o Estado/Poder Judiciário interfira na vida do cidadão, tolhendo-lhe a liberdade, a intimidade, a privacidade e direitos por meio do processo. Para tanto, é dever do magistrado expor e justificar por qual razão - ou razões - mitigou determinado direito e se ainda foi dotada de proporcionalidade e razoabilidade tal medida.

Dito de outra maneira, não basta que o magistrado profira decisões, extensas, curtas ou per relationem, dotadas de terminologia e conceitos vagos, deve ele respeitar os parâmetros listados legalmente, o que impõe o dever de motivar idônea e concretamente o ato judicial. Ao justificar, o juiz torna possível o exercício de outra garantia essencial do processo penal acusatório, que é o direito ao contraditório. Isto é, todo indivíduo detém o direito de contrapor os argumentos utilizados contra ele desde que seja possível compreender o raciocínio desenvolvido na decisão, exercendo um verdadeiro controle dos atos judiciais.

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Embora a decisão proferida pelo STJ não tenha força de tese, uma vez que não se tratou de julgamento de recurso especial dotado de repercussão geral, fica(rá) o recado de que a quinta Turma do STJ não tolera decisões genéricas, imprecisas ou per relationem, bastando apenas saber se tal compreensão alcança(rá) também os crimes praticados por pessoas comuns, como furto shampoo e/ou biscoito, tráfico, estelionato, falsificação de documentos ou apenas valerá de acordo com a persona investigada?

Esse teste de coerência colocará em xeque a decisão proferida pela 5.ª turma do STJ, especialmente em razão da sua própria função institucional, qual seja: padronizar o entendimento da interpretação de lei federal em todo o território brasileiro, julgando de forma isonômica todos casos levados ao seu conhecimento.

A coerência e o rigor científico da Corte com a ciência do direito e sua consequente integridade, terão o condão de afastar, de uma só vez, qualquer pecha de que a decisão proferida pela turma tenha como objetivo agradar ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, responsável pela indicação do próximo nome a ocupar uma das cadeiras STF; ou que ela, a decisão, tenha tido como pano de fundo "o amor à primeira vista" nutrido por Jair para com o ministro João Otávio de Noronha, responsável por encabeçar o voto vencedor que anulou os elementos de prova colhidos contra Flávio Bolsonaro, filho mais velho do chefe da nação.

Eis as questões a serem respondidas e enfrentadas pela Corte.

*Eduardo Samoel Fonseca é advogado criminal, mestre em Processo Penal pela PUC/SP e especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca - Espanha. Professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP - Subseção Penha de França

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*Gilney Batista de Melo é advogado criminal, especialista em Ciências Criminais pela PUC/MG e diretor auxiliar da OAB-SP - Subseção Penha de França

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