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O STF e o retorno à inquisição?

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Por Marcelo Batlouni Mendroni
Atualização:
Marcelo Batlouni Mendroni. FOTO JOSE PATRICIO/ESTADÃO Foto: Estadão

Na sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal do dia 14 de março de 2019, sua Excelência, o ministro presidente da Suprema Corte do Brasil 'determinou' a instauração de inquérito para investigar ofensas dirigidas àquela Corte. (Portaria GP n.º 69 de 14 de março de 2019).

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"Informações confidenciais recebidas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, foram a gota d'água para que ele determinasse a instauração de um inquérito destinado a investigar uma série de ofensas à Corte enviadas em correntes de WhatsApp, além de críticas postadas nas redes sociais por integrantes da Operação Lava Jato. O inquérito não cita nomes, mas entre os alvos estão os procuradores Deltan Dallagnol e Diogo Castor, além de auditores da Receita Federal." (O Estado de S. Paulo, 14/3/2019).

No despacho, o E. ministro 'designa', para a 'condução' do Feito, o E. ministro Alexandre de Moraes que poderá requerer à presidência a estrutura material e de pessoal necessária para a respectiva condução.

Trata-se, smj, de providência que, com todo o respeito, mas ao contrário de todo o espírito da Constituição Federal vigente, remonta à época da idade média, quando prevalecia o sistema inquisitivo...

O gérmen do Sistema Inquisitivo surgiu durante o período do Império Romano, na cognitio extra ordinen, como procedimento relativo às ideias políticas surgidas, tendentes a contrariar os ideais do Império.

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Eram levadas ao conhecimento do Imperador, que centralizava o controle do poder de julgar; ganhando força a partir das reformas de Gregório VII em meados do século XI com a centralização do Papa em todos os assuntos da igreja.

Disseminava-se um respeito muito grande da maioria das pessoas pela igreja, que pouco a pouco ganhou estruturas muito fortes porque o sentimento religioso se fortificou ao se misturar aos assuntos políticos, prevalecendo tanto sobre a jurisdição real quanto sobre a dos Senhores Feudais.

No curso do século XIII se instituiu e se consolidou o "Tribunal de Inquisição" para reprimir a heresia, o sortilégio e a adivinhação, mas ao largo dos séculos XIII, XIV e XV tomou tão incrível força que se estendeu a outros delitos diversos.

Assim, em nome e invocando o poder divino, o 'Tribunal Inquisidor' valia-se de regras próprias, das mais reprováveis até hoje conhecidas.

Dentre outras, suas principais características, eram: ? Bastava o rumor público para se iniciar um processo; 2 ? Abolida a acusação e a publicidade do processo, o Juiz atuava de ofício e em secreto, assentando por escrito as declarações testemunhais; ? O Juiz abandonava sua posição de árbitro e assumia a ativa de inquisidor, atuando desde o primeiro momento também como acusador, é dizer, se confundiam as atividades do juiz e do acusador.

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Este sistema vigorou durante séculos e foi substituído pelo sistema acusatório, especialmente a partir da Revolução Francesa, quando se instituiu um órgão, também pertencente ao Estado - o Ministério Público - para fazer a acusação, assentando o entendimento de que, quem investiga e/ou acusa, não pode julgar, para não haver comprometimento da imparcialidade do julgador.

Do brocardo da secular doutrina alemã: Wo kein klager da kein Klage. (Onde não há acusador, não há acusação).

Agora o STF instaura inquérito para investigar...e então, um Juiz volta a investigar?

E quem vai acusar? E quem vai julgar? Este exemplo, vindo de onde vem, do Supremo Tribunal Federal, e smj contrariando todo o espírito da própria Constituição Federal de processo penal acusatório e não inquisitivo, nos faz lembrar de outro provérbio, também alemão: "Besser Unrecht leiden als Unrecht tun": É melhor sofrer o mal do que fazê-lo.

*Marcelo Batlouni Mendroni, promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo

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