A 2.ª Turma do STF, contando com os votos dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia, anulou um dos processos da Operação Lava-jato. O fundamento da anulação é o de que o colaborador deve apresentar as alegações finais antes dos demais acusados para preservar o contraditório e a ampla defesa. Como foi aberto prazo para que todos os réus apresentassem a defesa simultaneamente, teria ocorrido cerceamento de defesa.
Com o devido respeito, os ministros incorreram em erro crasso ao equiparar colaborador com acusador. O colaborador é um acusado que, por ter colaborado com a Justiça, tem direito a benefícios legais, que podem ir desde a diminuição da pena até a extinção da punibilidade sem aplicação de nenhuma sanção.
A acusação oficial é realizada pelo Ministério Público nas ações penais públicas, podendo, em alguns casos, haver assistente de acusação. Estes sim apresentam as alegações finais em primeiro lugar. Não é do interrogatório do colaborador e nem de suas alegações finais que os demais acusados se defendem, mas da imputação ofertada pelo Ministério Público, não podendo o colaborador acrescentar mais nada à acusação.
Por isso, não há o menor sentido em subverter o procedimento previsto no Código de Processo Penal e determinar que os colaboradores ofereçam as alegações finais antes dos demais acusados. O colaborador é réu como todos os demais e não realiza acusação, mas apresenta sua defesa. Aliás, suas declarações isoladamente sequer se prestam para ensejar a condenação.
O Código de Processo Penal e a Lei de Organizações Criminosas, que regula a delação ou colaboração premiada, em nenhum momento diz que o colaborador deve apresentar sua defesa antes dos demais acusados, simplesmente por ele não ser acusador, mas réu que apenas colaborou com a Justiça.
Ademais, como o acusado se defende dos fatos narrados na denúncia apresentada pelo Ministério Público, não há prejuízo para os demais réus se apresentarem as alegações finais juntamente com o colaborador, que, como já dito, é réu e não acusador, não podendo inovar a acusação.
Em sendo admitido o entendimento da 2ª Turma do STF, toda vez que um réu qualquer, processado em concurso de agentes, confessar os fatos e admitir a acusação, prejudicando seu comparsa, terá de apresentar as alegações finais antes dos demais acusados, o que é simplesmente absurdo.
O Código de Processo Penal estabelece procedimento em que a acusação se manifesta em primeiro lugar e os réus por último, justamente para preservar o contraditório, que consiste no fato de a defesa poder rebater a tese acusatória, que é formulada na denúncia e reiterada, em regra, nas alegações finais, já que o Membro do Ministério Público pode pleitear a absolvição, a desclassificação ou alguma medida favorável ao acusado. Como colaborador não é acusador e não pode inovar a acusação, o fato de apresentar sua defesa juntamente com os demais acusados não implica violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, lembrando que esta última, que é ampla, mas não infinita, encontra-se limitada por normas processuais, que, como já dito, não preveem a manifestação do colaborador antes dos demais réus, procedimento este criado por três ministros da Excelsa Corte, no meu modo de ver, com a devida vênia, incorretamente.
Espero que o ministro Edson Fachin leve todos os demais processos em que houver essa alegação para o pleno do STF, a fim de que todos os ministros apreciem a nova tese criada pela maioria dos componentes da 2.ª Turma para que seja uniformizado o entendimento e, quiçá revisto, para que não ocorra enxurrada de anulações de processos, notadamente no âmbito da Operação Lava Jato, resultando na soltura de inúmeros condenados poderosos e a prescrição de muitos dos crimes imputados, retomando o status quo de outrora em que o crime compensa para aqueles que podem pagar caros e competentes advogados.
*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor Universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito Penal, Lei de Execução Penal Comentada, Provas Ilícitas, Estatuto do Desarmamento e Lei de Drogas Comentada, publicados pela Juruá Editora