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O STF decidiu que vacinação contra covid-19 é obrigatória. E agora? Qual a repercussão disso?

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Por Aldem Johnston Barbosa Araújo
Atualização:
Aldem Johnston Barbosa Araújo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratavam sobre a vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discutia o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas, o STF decidiu que o Poder Público pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, conforme previsão contida na alínea "d" do inciso III do art. 3º da Lei nº 13.979/2020.

De acordo com o Supremo, o Estado pode impor medidas restritivas aos cidadãos que recusem a vacinação, desde que tais medidas sejam previstas em lei, mas não pode fazer a imunização à força.

Também ficou definido que os entes subnacionais têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação.

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Mas qual a repercussão prática de tal decisão da nossa Suprema Corte?

A primeira observação é a do risco de ela ser inócua.

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Expliquemos. A Lei nº 13.979/2020, que estabelece a obrigatoriedade da vacinação, prevê em seu artigo 8º que ela só vigorará enquanto estiver o estiver vigente o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 que trata do reconhecimento da ocorrência de estado de calamidade pública. Por seu turno, tal decreto legislativo só possui efeitos até o dia 31/12/2020 e não há notícia de que o Congresso Nacional esteja discutindo a aprovação da extensão dos efeitos do decreto ou a edição de outro.

Com a eventual perda de vigência da Lei nº 13.979/2020, a única norma jurídica de alcance nacional que exige vacinação obrigatória é o Decreto nº 78.231/1976, que regulamenta a Lei de Vigilância Epidemiológica (Lei nº 6.259/1975).

O Decreto nº 78.231/1976 estabelece em seu artigo 29 que é dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória.

Todavia, o mesmo decreto determina, no artigo 27, que só serão obrigatórias, em todo o território nacional, as vacinações assim definidas pelo Ministério da Saúde, contra as doenças controláveis por essa técnica de prevenção, consideradas relevantes no quadro nosológico nacional e, atualmente, diga-se, não há indicação de que o Ministério da Saúde determinará tal obrigatoriedade de vacinação, haja vista inclusive manifestações públicas do Presidente da República em sentido contrário.

Além da incerteza acerca da efetividade prática da decisão do STF acerca da obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19, outra observação que há de ser feita é sobre as penalidades e restrições que poderão ser impostas a quem não se vacinar.

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Neste cenário, uma consequência óbvia seria a aplicação de multa a quem se recusar a se vacinar, pois, partindo-se da premissa de que a Lei nº 13.979/2020 ainda estará vigente, o descumprimento alínea "d" do inciso III do seu art. 3º ensejaria a aplicação de uma penalidade pecuniária haja vista o que prevê o inciso XXIX do art. 10 da Lei nº 6.437/77 (norma que encontra redações idênticas em Códigos Sanitários Estaduais e Municipais e que na ausência de normas locais é regularmente aplicada pelos órgãos de vigilância sanitária dos entes subnacionais).

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E aqui é preciso destacar que a aplicação de tal penalidade só será possível por estar prevista em lei. E por que isso é importante? O STF deixou muito claro em sua decisão que as restrições a serem impostas a quem se recusar a se vacinar (exemplo: proibição de frequentar determinados lugares) devem estar previstas em leis formais aprovadas pelo parlamento (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas ou Câmaras Municipais) e não em decretos expedidos pelo Chefe do Poder Executivo (e aqui lembremos que Estados e Municípios se valeram e se valem de inúmeros decretos para impor medidas sanitárias que restringem atividades sócio-econômicas).

Por fim, uma última observação sobre as consequências práticas desta decisão do Supremo é sobre a responsabilidade civil em caso de efeitos colaterais graves advindos das vacinas contra o coronavírus.

Se, por força dos arts. 37, § 6º e 196 da CF/88, havia pouca margem de dúvida de que a Administração Pública (União, Estados e Municípios) responderia solidariamente com o laboratório responsável pela fabricação da vacina em caso de efeitos colaterais graves, esta dúvida se esvai diante da constatação de que as pessoas são obrigadas a consumir o produto que se revelou danoso de alguma forma.

Como se pode depreender da leitura das linhas antecedentes, a decisão do STF não eliminou as incertezas jurídicas que envolvem a vacinação contra o coronavírus.

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*Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado de Mello Pimentel Advocacia

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