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O sistema de resolução de conflitos pela consensualidade envolvendo a administração pública

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Por Luma Zaffarani
Atualização:
Luma Zaffarani. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Quando nos debruçamos para estudar meios consensuais de resolução de controvérsia à luz do direito privado, em especial envolvendo questões de direito empresarial e do direito de família, verificamos que desde a constituição de 88 este ideal vem sendo perseguido.

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Nos idos dos anos 2.000, o Professor Kazuo Watanabe se dedicou a tratar do motivo da litigiosidade, em seu artigo "Cultura da Sentença e cultura do Conflito", indicando, resumidamente, que há um aspecto cultural de resistência à adoção aos meios consensuais de resolução da controvérsia cuja gênesis está na formação acadêmica dos operadores do direito.

Há mais de 20 anos a doutrina indica, portanto, que apesar da criação de opções legislativas que estimulam a consensualidade, a mudança de mentalidade do jurisdicionado e do próprio advogado e demais operadores do direito é fundamental para que se tenha sucesso na adoção de medidas extrajudiciais com vistas à pacificação social.

É de se reconhecer que, com o advento do CPC 2015 e com as inúmeras ações da comunidade jurídica voltadas ao assunto, houve uma discreta mudança do pensamento crítico comum e, sob o viés do direito privado, a consensualidade vem ganhando contornos significativos.

Quando volvemos os olhos, contudo, aos litígios envolvendo a Administração Pública a questão da consensualidade não é sequer debatida no grau de profundidade que o tema merece, muito embora seja a Fazenda quem ocupa, ano após ano, o lugar n.º1 no ranking de litigantes habituais.

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E não se pode dizer que não houve engajamento do ponto de vista legislativo, afinal, não se ignora a criação dos CEJUSCS, a instituição de procedimentos próprios sobre a autocomposição com a Administração Pública no CPC 2015 e demais possibilidades de criação de um sistema multiportas[1].

Apesar de tudo isto estar à disposição dos litigantes, há ainda a resistência cultural para conduzir casos com uma litigância racional, atrelada com a má-compreensão sobre a compatibilidade (ou não) do instituto da indisponibilidade do interesse público com a autocomposição da Administração Pública na esfera judicial.

No estudo intitulado "A resolução dos conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de mecanismos consensuais"[2], conclui-se que diversos são os fatores que levam ao insucesso da autocomposição, que vão desde a rotatividade no poder executivo até a dificuldade da parametrização da escolha dos casos que poderão seguir a esteira do acordo, sem deixar de fora o receio daquele que, em representação do Estado, teme ser responsabilizado pessoalmente.

Percebe-se que tal estagnação paira sob o aspecto da esfera judicial, mais precisamente sob a autocomposição, já que houve avanços relacionados à adoção de outros meios alternativos de resolução do conflito, tal como a admissão da arbitragem no âmbito do Contrato Administrativo.

A esperança é a de que chegará a hora em que o Gestor da Máquina Pública encontrará oportunidades financeiras e ganhos sociais na finalização do litígio e, então, chegará a hora que se criará políticas públicas de longo prazo compatíveis com as políticas legislativas, garantindo a efetividade dos meios alternativos para a solução de controvérsia no âmbito da Administração Pública.

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*Luma Zaffarani, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada em Processo Civil pela PUC-SP. Advogada no escritório Moysés & Pires Sociedade de Advogados

Bibliografia

ASPERTI, Maria Cecília de Araújo. Meios Consensuais de Resolução de Disputas Repetitivas: a conciliação, a mediação e os grandes litigantes do Judiciário. Dissertação (mestrado em direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo

GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação & Judiciário: Condições necessárias para a institucionalização dos meios autocompositivos de solução de conflitos. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2011

LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes. Sistema Multiportas: opções para tratamento de conflitos de forma adequada in Negociação, Mediação e Arbitragem. São Paulo. Coordenação: Carlos Alberto de Salles, Marco Antônio Garcia Lopes e Paulo Eduardo Alves da Silva. Ed: Método, 2012

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WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. In: Cesar Peluso, e Morgana de Almeida Richa (orgs.). Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional. Rio de Janeiro: Forense, p. 4-5. 2011

WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: YARSHELL, Flávio Luiz; ZANOIDE, Maurício de Moraes (coord.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, p. 690. São Paulo: DPJ, 2005.

[1] Neste sentido: OLIVEIRA, Gustavo Justino. RAZZINI, FELIPE - "Em busca da desjudicialização dos litígios públicos", publicado em 18/11/2020

[2] BERGAMASCHI, André Luís - A resolução dos conflitos envolvendo a Administração Pública por meio de mecanismos consensuais -Tese (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 251/257. 2015.

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