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O seguro em 2021

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Por Vitor Boaventura Xavier e Luca Giannotti
Atualização:
Vitor Boaventura Xavier e Luca Giannotti. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Para medir o setor de seguros e resseguros podem-se utilizar diferentes réguas. Sob a perspectiva financeira, as cifras dos resultados operacionais do setor publicados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) revelam o crescimento da arrecadação da ordem de 13,4%, até outubro de 2021, atingindo aproximadamente 250 bilhões de reais.

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Os dados também mostram que, embora se verifique uma tendência de crescimento percentual do setor, a participação no PIB nominal, até outubro, reduziu-se significativamente: 2,7% a menos na comparação ao ano anterior.

O seguro, no entanto, é mais do que resultados financeiros das seguradoras. 2021 ficou marcado pelas mudanças significativas na regulamentação do setor promovidas por uma Susep ávida por reformas. As mudanças já impactam a vida dos segurados e a gestão das seguradoras.

Há anos escancaram-se os resultados desastrosos do processo atabalhoado de liberalização econômica do setor de seguros e resseguros no País. Sujeitas às capacidades e às regras dos resseguradores internacionais, as seguradoras experimentam os impactos da financeirização, como a dificuldade de colocação de riscos e a depressão das coberturas, além do achatamento das estruturas administrativas, penalizando sobretudo a qualidade da subscrição e o atendimento das expectativas sociais depositadas no seguro. Antes de ser um repositório de segurança, o seguro no Brasil precisa remunerar os seus acionistas e entrar em acordo com os resseguradores internacionais.

O resseguro, "seguro da seguradora", é operação fundamental para o seguro. A tendência do mercado é clara: o notório crescimento proporcional do prêmio "cedido" para o resseguro nos últimos anos indica uma aproximação dos resseguradores aos segurados, em sensível e paradoxal movimento de restrição do conteúdo dos seguros e estabelecimento de entraves à renovação de programas de seguros.

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Os corretores de seguro, por sua vez, tão relevantes e necessários quanto negligenciados pela última gestão da Susep, talvez encontrem no novo superintendente um olhar mais atento às suas demandas, ao passo em que o mercado e os segurados torcem para que essa atenção não transforme suas reivindicações em primazia. Sem o investimento da formação técnica e crítica dos corretores, o segurado dificilmente será capaz de conhecer adequadamente as condições e as coberturas do contrato, agravando severa assimetria entre as partes.

Na blitz regulatória do setor, foram editadas inúmeras resoluções pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e circulares pela Susep. Elas impactam desde a gestão das seguradoras até a experiência dos segurados.

A circular Susep nº 635 estabeleceu as premissas para a implementação do Sistema de Seguros Aberto ("Open Insurance"). A proposta é inaugurar um ecossistema aberto para o compartilhamento de dados de consumidores de seguro por meio da abertura e integração de sistemas informacionais do mercado. A iniciativa do "Open Insurance" poderá beneficiar os segurados à medida que fique facilitado o compartilhamento de dados, em linha com o que se observa desde a implementação do "Open Banking".

A circular Susep nº 638 disciplinou os requisitos de segurança cibernética que as entidades supervisionadas (seguradoras, resseguradoras etc.) deverão cumprir. As novas regras passaram a considerar a política de segurança cibernética complementar à política de gestão de riscos. Disciplinaram-se a prevenção e o tratamento dos incidentes cibernéticos, além da terceirização dos serviços de processamento e armazenamento de dados.

Foram bem mais extensas e controversas as alterações nas regras com imediato impacto para os interesses dos segurados.

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A circular Susep nº 621 estabeleceu novas regras gerais para todos os seguros de danos no Brasil. Se, por um lado, a circular trouxe maior flexibilidade na redação das cláusulas do seguro, impôs, por outro, regras ilegais e inconvenientes, opostas à prática do mercado e à jurisprudência dos tribunais.

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Diferente não foi com a circular Susep nº 637, que introduziu nova disciplina dos seguros de responsabilidade civil. Embora a nova norma tenha inaugurado um regime unitário para esses seguros, simplificando e racionalizando o regime anterior, sua redação final consiste em uma oportunidade perdida, sob o ponto de vista regulatório, e padece de graves impropriedades técnicas e jurídicas.

Por exemplo, nos seguros D&O, contratados pelas companhias para seus administradores, foi perdida a oportunidade de disciplinar adequadamente os custos de defesa do segurado, um dos principais atrativos desse tipo de seguro e provavelmente a causa do elevado índice de litigância nesse ramo.

Algumas mudanças sequer trouxeram aspectos positivos, simbólicas de uma pretensão progressista que finda por ser antiquada e condenada à ineficácia.

A resolução CNSP nº 407 introduziu no direito brasileiro a figura dos seguros de danos "de grandes riscos", a abranger um número invulgar de seguros, e não apenas os celebrados por grandes companhias. A norma pretendeu atribuir, sem o CNSP ter competência para tanto, liberdade negocial e paridade irreais e impossíveis entre segurados e seguradores.

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Nesses contratos, ampla liberdade negocial e paridade entre segurado e seguradora ilusórias significam o afastamento de regras fundamentais do seguro, como o in dubio pro segurado, indispensáveis para o adequado funcionamento do sistema diante da utilização de condições padronizadas, impossibilidade de negociar o conteúdo essencial, notória má-redação das apólices e importação de modelos estrangeiros sem aclimatação ao contexto brasileiro.

A vontade de liberalizar da Susep não vingou na prática porque os produtos que sempre puderam ser alterados, e não o são porque não há vontade no mercado fornecedor de seguro e resseguro, nem pressão organizada dos consumidores e outros compradores de seguros e resseguros.

Contrariando a costumeira apoteose da liberdade contratual, a Circular Susep nº 642 engessou perigosamente a celebração do seguro no Brasil. Contrariando a liberdade de formas prevista no Código Civil, a autarquia impôs uma tipologia de formas de oferta e aceitação do contrato, o que certamente vai resultar prejudicar o bom fluxo dos negócios. A regra costumeira de aceitação tácita pelo silêncio, adotada durante décadas, não causava problemas para segurados e seguradoras.

Para os primeiros meses do ano de 2022, aguarda-se a edição de nova circular de seguro garantia, a pretexto de ajustar o seguro à nova Lei de Licitações. Apesar da malsucedida tentativa de reforma em 2021, a ainda vigente circular Susep 477, que cuida desse tipo de seguro desde 2013, permanece fonte generosa de conflitos por sua redação ambígua e, muitas vezes, pouco aderente à realidade dos contratos, em especial os de grandes empreitadas.

Oxalá teremos um novo ano de 2022 com prudência e temperança por parte dos reguladores e a aprovação e sanção do projeto de lei do contrato de seguro (PLC 29/2017) que aguarda votação no Senado desde 2017.

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*Vitor Boaventura, advogado e membro do IBDS (Instituto Brasileiro de Direito do Seguro)

*Luca Giannotti, advogado. Sócio de ETAD - Ernesto Tzirulnik Advocacia. Membro do IBDS

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