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O risco de judicialização da reforma da Previdência

Por Marcelo Martins
Atualização:
Marcelo Martins. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Sem prejuízo para a seriedade com que o tema deve ser tratado, iniciamos nosso artigo com uma anedota, retirada do meio jurídico: a verdade é que o caixa da Previdência se tornou o terno do advogado que retorna de férias. Tal qual a indumentária do causídico, não cabe mais, dentro do sistema, tantos segurados.

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Dito de outra maneira, fazia-se absolutamente necessária a Reforma. Embora ainda haja espaço para todos os tipos de discussões político-ideológicas, temos que passar a ver e entender a Reforma da Previdência como uma realidade.

Após 5 meses de tramitação, a PEC 6/2019 foi enfim aprovada por ampla maioria. Com o fim do recesso parlamentar, há a previsão de nova votação, em segundo turno, na Câmara dos Deputados, agora na primeira semana de agosto.

Com relação à primeira votação, quatro destaques aprovados trazem alterações importantes comparados ao texto-base.

O primeiro, diz respeito à flexibilização das exigências para aposentadoria de mulheres. Embora não fosse a proposta da emenda original, houve um "ganho" relativo, na medida em que o acréscimo de 2% no valor do benefício valerá a partir de15 anos de contribuição e não somente após 20.

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Outro ponto também confirmado foi que a pensão por morte do segurado, homem ou mulher, devida ao dependente, não poderá ser inferior a um salário mínimo, quando se tratar da única fonte de renda.

No caso dos professores próximos da aposentadoria, houve uma considerável alteração, permitindo a aposentadoria do professor aos 55 anos de idade e da professora aos 52.

Ainda no setor privado, uma regra destina-se àqueles que, no sistema atual, só poderiam se aposentar por idade - 65 anos no caso dos homens e 60 para as mulheres. Para os homens, o tempo de contribuição mínimo subirá dos atuais 15 para 20 anos. Já a idade para mulher será elevada gradativamente até chegar a 62.

Dois dos itens mais polêmicos foram retirados, "ao menos temporariamente", do original, já no texto-base acolhido pelos deputados. São eles: o fim do Fundo de Garantia por Tempo de Serviços para aposentados e o regime de capitalização.

Pelo primeiro, o trabalhador que, após se aposentar continuasse na ativa, não teria direito ao fundo. O segundo seria uma espécie de poupança que o trabalhador faria para garantir a própria aposentadoria no futuro, na qual o dinheiro seria investido individualmente.

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Apesar disso, infelizmente, e observando-se do viés teleológico, a PEC traz ainda sérias preocupações. Especialmente no que diz respeito ao risco de judicialização de algumas das normas propostas e da desconstitucionalização de outras.

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Temos vivido cenários, em nossa recente legislação, em que as leis mais sensíveis não têm sido objeto de ampla discussão, principalmente, através de audiências públicas e com especialistas da área.

Veja-se, à guisa de exemplo, a Lei 13.467/2017, chamada Reforma Trabalhista, que, menos de dois anos após sua entrada em vigor, ostenta contra seus textos inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins). Sendo que, em março de 2018, já havia 20 destas distribuídas no Supremo.

Trata-se, portanto, de um fenômeno em que o Judiciário, sobretudo através do Supremo Tribunal Federal, tem sido "protagonista legislativo". Consolidando, em última análise, para não dizer "remendando", aquilo que, por vezes, é feito de forma açodada no Congresso Nacional.

Neste diapasão, a Reforma Previdenciária nos parece trilhar caminho semelhante. Contudo, com uma "pitada" a mais de complexidade embutida. Afinal, o texto original aprovado relega temas importantes para lei complementar.

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Um bom exemplo são as regras de transição: os segurados do Regime Próprio têm as regras definidas pelos artigos 3º a 11º do Capítulo III, enquanto os segurados do Regime Geral, nos artigos 18º a 23º do Capítulo V.

Com a aproximação dos regimes e ao mesmo tempo regras distintas de transição e ingresso entre um e outro, somados à desconstitucionalização, uma vez que os direitos sociais previstos no artigo 6º da Carta Magna passariam a ser disciplinados em lei complementar, temos um panorama perfeito para uma enxurrada de discussões nos tribunais.

Todas as ilações feitas nos levam à convicção de que, seja como for, a PEC, apesar de ainda poder vir a sofrer alterações, será aprovada trazendo em seu bojo uma carga de insegurança jurídica e possibilidade de judicialização da lei. Retornando, dessa maneira, ao ciclo vicioso de relegar aos órgãos judicantes a responsabilidade de "interpretar" e quiçá "adequar" o texto para a distribuição da Justiça.

Isso tanto para a primeira, quanto a segunda instância, até que, novamente, o Supremo Tribunal Federal seja obrigado a "legislar".

*Marcelo Martins, sócio do escritório Granadeiro Guimarães Advogados

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