PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

O retrocesso das coligações

Por Samara Ohanne
Atualização:
Samara Ohanne. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Imagine você votar em um candidato a deputado que tem os ideais parecidos com os seus, com plano de campanha justo e, ao final, seu voto acabar indo para outra pessoa que não te representa? Não perece justo. Mas é o que ocorre quando há coligações em eleições proporcionais. E com a reforma eleitoral que foi aprovada em segundo turno na Câmara dos Deputados, esse retrocesso pode estar de volta.

PUBLICIDADE

A proposta, agora, segue para o Senado. Entre outras medidas, o texto prevê a contagem em dobro dos votos dados a candidatas e a negros para a Câmara dos Deputados, nas eleições de 2022 a 2030, para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral).

Pelo menos essa parte do projeto parece ser um pequeno avanço, como se fosse uma cortina de fumaça para as coligações. Entretanto, essa contagem em dobro será aplicada apenas uma vez, ou seja, os votos para uma candidata negra, por exemplo, não poderão ser contados em dobro duas vezes.

Um dos critérios para a distribuição dos recursos desses fundos é exatamente o número de votos obtidos, assim a ideia é estimular mais candidaturas desses grupos.

"Tem alguma falcatrua aí! Só pode ser corrupção! Fraudaram a urna eletrônica! Foi um dos mais votados e ainda assim não se elegeu?". As queixas são comuns entre eleitores e políticos que desconhecem o processo eleitoral. Mas por que um deputado ou um vereador bem votado não se elege e outro com menor popularidade ocupa a vaga?

Publicidade

O que acontece é que é preciso saber quais foram os partidos políticos vitoriosos para, depois, dentro de cada agremiação partidária que conseguiu um número mínimo de votos, observar quais são os mais votados. Encontram-se, então, os eleitos. Esse, inclusive, é um dos motivos de se atribuir o mandato ao partido e não ao político.

Funciona assim o sistema proporcional: para se chegar ao resultado final, aplicam-se os chamados quocientes eleitoral (QE) e partidário (QP). O quociente eleitoral é definido pela soma do número de votos válidos (= votos de legenda3 e votos nominais4, excluindo-se os brancos e os nulos), dividida pelo número de cadeiras em disputa. Apenas partidos isolados e coligações que atingem o quociente eleitoral têm direito a alguma vaga.

A partir daí, analisa-se o quociente partidário, que é o resultado do número de votos válidos obtidos, pelo partido isolado ou pela coligação, dividido pelo quociente eleitoral. O saldo da conta corresponde ao número de cadeiras a serem ocupadas.

Havendo sobra de vagas, divide-se o número de votos válidos do partido ou da coligação, conforme o caso, pelo número de lugares obtidos mais um. Quem alcançar o maior resultado assume a cadeira restante.

Depois dessas etapas, verifica-se quais são os mais votados dentro de cada partido isolado ou coligação. Disso decorre a importância de se pensar a conveniência ou não de formar coligações.

Publicidade

Um pouco complicado, não é? Para entendermos melhor, pensemos em uma situação hipotética de um pequeno município com quatro partidos (PK, PX, PY e PZ), dois deles coligados (PK e PX), e nove vagas em disputa para o cargo de vereador. Foram contabilizados, ao todo, 2.700 votos válidos, dos quais 1.200 conferidos à mencionada coligação, 1.100 a PY e 400 a PZ. Após o processamento de todas as operações, observa-se que a coligação PK/PX e o partido PY fariam quatro vereadores cada e o partido PZ, um.

PUBLICIDADE

Trata-se, portanto, de um sistema relativamente complexo e que, com frequência, gera dúvidas e provoca debates. Se, por um lado, permite a representação de diversos segmentos da sociedade, por outro, estimula a competição partidária interna e possibilita que candidatos com maior poder econômico se destaquem em relação aos correligionários, que concorrem às mesmas vagas.

Isso exposto, enfatizo que as coligações enfraquecem o poder do voto, visto que o eleitor que escolhe votar em determinado partido, elege candidato de outro partido.

*Samara Ohanne é advogada especialista em Direito Eleitoral, diretora do Instituto de Gestão Política e Eleitoral (IGPE) e autora dos livros Direito Municipal Descomplicado e Manual do Candidato - Eleições

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.